Drummadinho

Quem é leitor das poesias de Carlos Drummond de Andrade sabe que vai encontrar lá advertências poéticas várias sobre a exagerada fuga de minério das montanhas mineiras para o exterior a troco de depredação da natureza.

Perdi as contas de quantas vezes fui à Vitória-ES, terra de Maurinete, minha esposa, dirigindo nosso carro e praticamente tínhamos que atravessar o estado mineiro quase que completo. Sabia eu que a poucos quilômetros à esquerda ou à direita as serras mineiras estavam escancaradas para exploração de minério.

Se os doutores engenheiros tivessem lido a poesia e as crônicas drummondianas em suas férias universitárias – lá pelos idos 1950 -, fugindo um pouco de seus livros calculistas, talvez, quem sabe, se dessem conta que Minas não é só minas. Teriam eles aprendido poeticamente que a geografia de Minas é mais do que lucro ferroso. É natureza que preservada vale – ops! – mais do que explorada. 

Hoje é fácil desancar críticas às barragens pós Brumadinho. Mas o surrupio de ouro das cidades históricas mineiras para o primeiro mundo – como Ouro Preto e Diamantina, por exemplo – está denunciado no ensaio apurado de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina, publicado em 1976, dentre outros clássicos de nossa literatura ensaística.

Sei que os rentistas, os desenvolvimentistas e categorias que tais, dirão que sou ingênuo em não perceber que o minério é o terceiro item da pauta de exportação do Brasil, e, portanto, temos que continuar a exploração das jazidas mineiras. Ordenando as regras de segurança, claro, mas como vimos desde Mariana, isso é história de se ouvir acocorado esperando o trem bão passar, uai!.

Da poesia de Drummond passo à música de Milton Nascimento. Simbólico também para mim é a capa do disco Geraes (1976) – sim, sou do tempo de disco – da estrela mor do Clube da Esquina. Um trem passando ao pé de uma montanha com o Sol já bem adiantado do dia (digite aí no google e veja o desenho da capa).

Sempre tive para mim que aquele trem representava o carregamento de minério para colocar de pé, via vigas entremeadas de vergalhões, arranhas céus mundo a fora. Creio que Milton Nascimento enfatizava a estética natural e a cultura de Minas naquela capa com músicas inesquecíveis, como Calix Bento, Volver a los 17, O Que será (À Flor da Pele), A Lua

Girou… Cada um dá sua interpretação. E aí está a riqueza do lirismo da arte. 
Só não há lirismo em um governo que até pensava em não querer um Ministério de Meio Ambiente. 

Vejam trecho dessa poesia de Drummond:
CANTO MINERAL
MINAS GERAIS
minerais
minas de Minas
demais,
de menos?
minas exploradas
no duplo, no múltiplo
sem sentido,
minas esgotadas
a suor e ais (…)

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