Uma vaia para o senhor

Aplausos são involuntários, mas vaias não, são fundamentadas. O que diria Caetano Veloso se não fossem aquelas, que o consagraram, em seguida? Do aparente lixo sonoro, o baiano se ergueu como uma fênix, embora tenha caído no exagero narcisista depois.

Às vezes, nem vaiar vale a pena, já que a sociedade gosta da palma cansada e boba. Por que necessitar de tanto aplauso, de tanto confete, de tanta pompa? Como é isso de querer sempre ser agraciado com palmas falsas, com aquela coisa mal arranjada do aplauso social? A vaia, nesse caso, é muito mais útil e proveitosa. Não é mal educada, não é vulgarizante, não é ridícula: é a verdade.

A sociedade sofre com uma auto-estima insignificante, daí a necessidade de um ruído interminável de palmas. É escrava daquela frase da mãe machista do “homem que é homem não chora”. É incapaz de interpretar uma vaia, e se acha respeitável e honesta, o tempo inteiro. Nunca erra, nunca chega em último lugar, nunca quebra o salto. Quando recebe uma vaia no lombo, sente a sua preciosidade destituída, a sua honra queimada, a sua reputação invalidada. Sente os ouvidos com uma chaga sem tamanho, sente o trabalho massacrado, os filhos envergonhados. Sorriso, mais amarelado, impossível.

Quem se acredita vaiado é porque acredita que não se merece um aplauso verdadeiro, aquele de criança para palhaço, de torcida para defesa de pênalti. Aí, sim, aplauso com gosto.

Esse povo não sabe o conteúdo da vaia, e acha que vaiar quer dizer, apenas, repelir, abominar, execrar. Não. A vaia é uma instituição como a família, como a religião, como a televisão. Do mesmo jeito que segrega, chuta. Do mesmo jeito que eleva, rebaixa.

A sociedade quer um aplauso para não lembrar o que acontece além das suas cortinas: casamentos traidores, filhos e pais violentos, mulheres espancadas, bissexualidades enrustidas, drogas aos montes, grana fajuta ou desviada. Enquanto isso, vamos louvar o senhor: um senhor tão falso quanto a sociedade que o criou. Um senhor que merece uma vaia das piores, das sufocantes.

Esse suposto senhor que é chamado, equivocadamente, de Deus, merece uma salva de vaias. Não posso adotá-lo, embora eu também viva momentos de hipocrisia, como ser social. Não posso orar, dias e noites, em nome desse senhor, o mentor espiritual da sociedade. Mas posso vaiá-lo justamente, sob um som direcionado para ele e para uma corja que o abriga.

Esse senhor é um charlatão. Esse senhor é o mesmo das rodas de orações perversas. Ora, perversidade não é vaiar. É pregar o que está escrito na Bíblia e executar tudo ao contrário. É ir à missa com a esposa e depois visitar a amante, é passar o Carnaval no retiro e o ano inteiro se drogando, é ser dizimista e explorar os empregados. Essa é a sociedade que se vale desse senhor. Essa é a sociedade que não admite uma vaia. Para ele, o inferno é pouco. Para ela, vaias, vaias, muitas vaias.

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