Janelas, janelinhas e janelões

Gostaria que um terço da humanidade estivesse aberto para abrir janelas. Sim, porque não adianta estar aberto para janelas se não houver condições de abri-las. Claro.

Queria eu uma imensa janela: uma coisa enorme, renovada, espaçosa. Janelas são aptidões para viver, e aptidões para viver e viver-se aberto. Eu vejo algumas pessoas enjaneladas e boas. Mas tem gente que suporta apenas umas janelinhas simples, com um ferrolhinho de nada, e umas dobradiças com ferrugem. Outras pessoas nem se permitem enjanelar: fecham os olhos e fecham as suas entradas naturais para uma porção de janelas. Há ainda o janeludo convicto, que constrói em si tudo o quanto existe de janelas: das sempre abertas, das repletas de compartimentos, das envidraçadas, das que se arrastam.

Você tem se mostrado janelável, janelífico, janelômago? Explico: a primeira opção é guardada aos que estão prontos para uma abertura de conceitos, de imaginação, de delírio; a segunda, reservada aos distribuidores, ou seja, possuem tanta capacidade de abertura que começam a contagiar os injanelados; e a terceira, conferida àqueles que consomem as janelas dos outros e são tão egoístas e opacos que nunca conheceram uma janela própria. Está vendo como existem tipos e tipos? Há também os omissos, que se abrem sem muita vontade, e os exagerados, que se enchem de janelões.

Não é tão difícil estar aberto. Quem estiver sentindo preguiça, e achar isso de construir janelas um negócio muito chato, não precisa andar muito. Basta aplicar uma renda mínima no PCA (Plano da Consciência Amiga), direto no céu; não há filas, correção de juros ou guias de depósito. A renda pode ser um pensamento diário. Simples.

Eu não sei se estou em janela, ultimamente. Posso até, como Carolina, ficar na janela, mesmo sem fazer aberturas, mas acontece que não há explicação para as janelas que brotam do acaso. De repente, um dia-noite, com chuva, Sol, ladrilho ou esmeralda nas estradas, uma janela nasce. E pode nascer na cabeça, nos narizes, nos pés, nos ventres, nos pedaços de riso, na choradeira, nos intervalos de alma. É preciso se deixar. A janela vem, certamente, com todo o aparato divino, e vai se abrindo. Cabe a cada um enfeitá-la com vasinhos de flores ou pintá-la de verde.

Eu, por exemplo, ainda preciso aprender muito sobre janelas humanas porque, hoje mesmo, nasceu uma em minha testa. Eu, ingenuamente, coloquei uma cortina toda bonita e colorida. A cortina continuou sendo ela mesma. Mal a janela se abriu, o pano se assanhava à ventarola. Mas não tem problema. Amanhã vou saber se o Sol atravessou um remendo que eu fiz no tecido. Um raiozinho solar em janelas assim, já é o começo.   

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Chico Buarque, com toda a sua beleza janelante:

“Eu bem que mostrei sorrindo
Pela janela,
‘ói que lindo!’,
mas Carolina não viu…”

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