Sobre as ruas de minha infância

Já lhes falei, aqui mesmo na Coluna, que as cidades são como organismos vivos e pulsantes, cujas artérias são suas ruas, cada uma desempenhando papel importante no funcionamento delas.

Quem não traz, na sua memória, as lembranças de alguma rua em que viveu e por onde costumava passar, sobretudo quando de sua infância. E digo “sobretudo” porque, quando os dias se vão passando e se chega à chamada” idade madura”, outras preocupações e outros problemas mais sérios vão surgindo, alguns dos quais vão fazendo apagar-se de nossas mentes aquelas doces lembranças dos dias vividos de antanho.

Se lhes digo isso é porque, se o prezado leitor fechar os olhos, por um minuto que seja, como quem está introspectivamente meditando, certamente encontrará, nos recônditos de sua memória, paisagens que lhe falarão sobre o que eu chamaria de “as ruas de minha infância”.

A antiga Rua do Gato Preto, depois chamada de Rua 13 de Maio, fazia esquina com a Rua Siqueira Campos. Era naquela em que eu residia, mas foi esta que marcou as minhas primeiras andanças infantis, ainda trôpego, em busca do centro da cidade. Ali residiam os contemporâneos dos meus pais, que eu aprendi a respeitá-los.

Tanto é que, ainda hoje, é como se eu os estivesse vendo, em suas calçadas, janelas ou portas de casa… Sei-lhes, praticamente os nomes, guardo suas fisionomias e lembro-me de suas atividades, como se hoje fosse…

Para mim, a Rua Siqueira Campos começava na sua confluência com a Rua 13 de Maio, e não lá na Rua Engenheiro Carlos Pires de Sá. Logo no seu início, residiam Seu Genésio e Dona Adalgisa, casal que nos servia os famosos pirulitos do Grupo Monsenhor Milanês; vinha, na descida em busca da Rua Pedro Américo, o casarão de Zé Caetano, pai de uma de nossas primeiras vereadoras, Anita Caetano, cujo potencial eleitoral advinha do Boqueirão.

Aliás, o casarão de Zé Caetano, ao que eu me lembre, foi uma das primeiras sedes da Loja Maçônica da cidade; defronte desta, ficava a casa do Seu Simão, um dos ancestrais do ex-prefeito Carlos Antônio; o pastor Seu Chiquinho, respeitado pastor da Assembleia de Deus, com sua consorte Dona Meranda, morava mais adiante, já bem próximo da residência do Seu Geroncinho, que era, juntamente com Zé da Freiras, um dos fabricantes dos tradicionais mosaicos usados na região; ali também residiam Seu Sinhozinho e os homens do comércio a varejo: havia as bodegas de Seu Placídio e de Seu Zenaide; Félix do Fumo, como nós o chamávamos, residia já quase vizinho do Seu Chico Mamede; quase chegando à ladeira que esbarra na Rua Bonifácio Moura, passávamos pela casa de Seu Neco Viera e Seu Neco da Mãozinha, este, o protagonista dos famosos “fenômenos sobrenaturais”, ocorridos em Cajazeiras, nos anos 50; mais adiante: Dié e Dona Bezinha; por fim, vinha a moradia do Seu Zé Lopes, caminhoneiro, que perdeu dois filhos – Chico e Francisquinha Lopes – de maneira trágica; na confluência, já com frente para a Rua Bonifácio Moura, Dr. Hidelbrando Assis marcou época nas promoções culturais da cidade.

Mas, creio eu, o filho mais ilustre da Rua Siqueira Campos, que eu não conheci daqueles tempos, mas de quem meu pai me falava: Alfredo Ricardo do Nascimento, o Zé do Norte, que ali nasceu, em 18 de dezembro de 1909, e residiu durante sua infância, trabalhando, filho de família humilde como o era, como roceiro e carregador de algodão.

Na ilustração: Zé do Norte, o ilustre filho da Rua Siqueira Campos

É, sem dúvida, o filho mais ilustre daquela rua. Que Cajazeiras sempre se lembre deste cantor, compositor, poeta popular, folclorista, escritor, que faleceu no Rio de Janeiro, em 4 de janeiro de 1992, imortalizado no cancioneiro da MPB, com músicas como “Mulher Rendeira”, “Sodade, Meu Bem, Sodade”, ”Lua Bonita”, “Siri jogando bola”, “Meu Pião”, entre inúmeros outros.

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