O mistério da cobra

Semana passada, mais uma vez visitei o Patrimônio Histórico de Acauã, a seis quilômetros da cidade de Aparecida. Mais uma vez, fiquei encantada com a história que pulsa no lugar. São mais de 300 anos de lutas, moradores, trabalho na agricultura e em outras fontes de renda, a exemplo do algodão, que se estabeleceu muito bem por aquela região nos anos 30.

Algumas décadas depois, os depósitos de algodão serviram para ficar armazenando a história, agora recuperada. Vide Gazeta nº 108.

Bom, acontece que toda poeira guarda suas lendas, típicas do imaginário do povo nordestino, bastante criativo. Laércio Filho, Laercinho, vereador em Aparecida e líder do Acauã Produções Culturais, um dos maiores movimentos da Paraíba, me contou uma história, no mínimo, misteriosa.

Dizem que, em um dos depósitos desativados de Acauã, havia uma porção considerável de morcegos, lagartos, sapos, baratas, ratos e outros seres peçonhentos. Certa vez, um dos moradores encontrou, numa de suas caçadas rotineiras, uma grande cobra, uma imensa cobra, mas uma grande cobra mesmo. Uma cobrona. Um espetáculo de cobra. Dizem que era parente de jibóia, misturada com sucuri e, de repente, jararaca.

Como o couro da cobra era muito bonito, os moradores não queriam se desfazer do bicho. Como ninguém queria manter a cobra completamente enjaulada, então, pensaram numa solução imediata: “Vamos deixá-la dentro do depósito, pois, só assim, ela engole os outros bichos peçonhentos.”

A danada da cobra passou dias, meses, anos no depósito. Todos os acauanenses já estavam acostumados. “Não entre ali sozinho, pois ali mora uma cobra.” Acontece que, um belo dia, os moradores abriram o depósito, por curiosidade mesmo. A cobra havia sumido. Pluft.

Só para você ter uma idéia, leitor, nenhum acauanense tinha interesse em vender ou se desfazer do bicho. Nenhuma parede do depósito é escalada por gente, animal terrestre ou outra categoria, senão com ajuda de suportes, guindastes, escadas, etc. As paredes do depósito são enormes, mais ou menos uns 11 metros de altura, e lisas, sem vestígios de fendas, rachaduras que caibam qualquer coisa. Como, então, esta cobra teria sumido pela porta, se na porta não há nenhum buraco? Por uma janelinha, a cinco metros de altura, também seria muito difícil.

No chão, não havia, segundo os moradores, qualquer vestígio de esqueleto de cobra, couro de cobra, olho, dente, língua, nada. Nem um rastrinho ela deixou.

Questionando à luz da Literatura de Cordel, teria a cobra criado asas e saído pela janelinha? Ou teria ela se transformado em pó, agora espalhado pelos caibros, linhas e ripas do depósito? Teria a cobra gigante lutado silenciosamente com um morador, ameaçando-o de morte por envenenamento caso ele botasse a boca no trombone? Ela pode também ter se fortificado com tantos bichos no estômago e ter se transformado em ser humano. Pode ter virado dragão ou um dinossauro moderno.

Saí de Acauã com este mistério. Saí, de posse também de uma pedra verde que encomendei a um garoto nativo, que tomava banho no leito do Rio Piranhas. Saí de Acauã imaginando o grau de dificuldade de um ser mitológico como Medusa, por exemplo, ao administrar tantas cobras na própria cabeça.

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