Sob proteção

VALIOMAR ROLIM

O Brasil vivia a experiência desastrosa da guerra do Paraguai. O século XIX corria sua segunda metade e éramos, por assim dizer, um império. Defendendo os interesses da grande potência da época, essa sim, a grande nação, o império britânico, viu tudo acontecer. A nação brasileira comprometeu o erário, endividou-se com a Inglaterra, principal beneficiária e mentora do conflito, e assistiu serem ceifadas incontáveis vidas, inicialmente dos negros, que foram enviados pelos brancos para morrerem no lugar de seus filhos.

Passada a fase inicial da guerra, o morticínio foi aumentando, os negros não bastaram para sustentar a guerra e manter o efetivo das forças armadas nacionais, a nação foi forçada a recrutar brancos e libertos. Inicialmente e involuntariamente, foram alistados os filhos da pobreza. Depois veio classe média, a seguir a classe alta e assim por diante.

Na realidade, não podia se chamar aquilo de alistamento, mais parecia uma caçada humana, uma brusca, brutal e cruel perseguição aos jovens brasileiros. Eram pelotões de soldados pelos campos a capturar recrutas que, como os escravos do império romano eram levados às galés, foram impelidos à guerra.

Quando começaram a capturar os primeiros recrutas brancos, o clamor nacional eclodiu e a grita alastrou-se pelo país. Os jornais das capitais das províncias alardearam e protestaram contra o fato e os políticos fizeram estardalhaço. Chegou a todos a notícia e a nação inteira consternou-se.

Na corte, as notícias foram chegando. Inicialmente como rumores, depois com o protesto dos políticos nos jornais, o comentário nos bailes e o clamor popular. A opinião pública voltava-se contra o Conde D’Eu e o Duque de Caxias que, à ocasião, eram vistos como sanguinários. Até contavam que o Conde lançava crianças paraguaias, recém natas, para o alto, para depois apará-las com o fio da espada. Por essa razão, coube à Princesa Isabel o anúncio da boa nova.

Por todo o reino, foi propagada a grande novidade. Em todos os recantos do Brasil divulgou-se que, por intervenção da Princesa Isabel, o jovem que, ao ser capturado para alistamento, se pusesse sob o manto da proteção de uma mãe, seria liberado.

À época, para o povo Brasileiro, as notícias sempre chegavam depois, truncadas e deformadas. Era aquela história de que quem conta um conto acrescenta um ponto. Tudo foi entendido no sentido literal da frase: debaixo do manto, que à época confundia-se com a saia, estava sob proteção.

Desde então, no Nordeste brasileiro, virou dito popular: cabra macho, que não sai de casa, nem decide a vida, está debaixo da saia da mãe.

Era isso que meu avô contava.

VALIOMAR ROLIM É MÉDICO E ESCRITOR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Caminhada

Não renuncie as esperanças perdidas e procure alcançar algo que lhe faça feliz, pois a beleza da estrada…
Total
0
Share