Hoje meu pai faria 90 anos

CHRISTIANO MOURA

O meu pai faria 90 anos neste dia 13 de maio. Ele nasceu no Sítio Boa Esperança, no antigo município de Antenor Navarro, hoje São João do Rio do Peixe. Atualmente, a região está situada no Distrito de Melancia, no município de Santa Helena. Tudo isso pertence à Região Metropolitana de Cajazeiras.

Adonias da Costa Moura foi o segundo filho do casal José Pedro da Costa, da ribeira do Rio Piancó, e de Maria Félix de Moura, da ribeira do Rio do Peixe, neste extremo oeste do estado da Paraíba. Viveu sua infância naquela região, afeito às lides do campo, sempre em companhia do seu pai, dos irmãos e demais familiares, que por ali são muitos e muitos e muitos.

O seu pai era vaqueiro e tangerino de primeira. Com ele fez várias viagens, conduzindo à pé boiadas pelos sertões afora, até as cidades de Itabaiana e Campina Grande, pois dali os animais seriam embarcados pro Recife, quase o centro do mundo nordestino. Na memória, sempre ouvi histórias e estórias. Dos pousos em São Domingos de Pombal, da Cruz da Menina, da subida da serra, do trabalho duro e da seriedade do pai, tido e havido como exímio fazedor de negócios com gado – meu avô que não conheci: Zé Pedro Quirino.

Em Melancia, a rotina consistia no em cuidar do parco roçado e dos animais, ir às celebrações religiosas e à rudimentar escola. Ver o trem parar em Poço Adão era aventura pra contar a vida inteira!

Um dia, meu pai, como tantos, resolveu arribar. Ele e outros de Melancia. Arribar, em meados de 1955, significava embicar na carroceria de um caminhão pau de arara em busca de melhores condições de vida em São Paulo, o centro deste mundo Brasil todinho até hoje.

Por lá, com o auxílio de amigos e pariceiros desbravadores, morou por quase uma década, trabalhando como contínuo ou auxiliar de escritório na poderosa e incomparável Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, potência paulista, brasileira e latino-americana, dona de meio mundo de coisas e empresas.

Nesse meio tempo, seus pais e irmãos já haviam migrado para a luminosa Cajazeiras, em fins da década de 1950. Até que, um dia, ele decidiu voltar. Havia feito um dinheirinho e resolveu retornar ao sertão paraibano, estabelecendo-se como comerciante no movimentado Mercado Público de Cajazeiras, numa tarimba que vendia toda sorte de produtos de armarinho e aviamentos.

O retorno às origens também o fez presenciar a trágica morte do seu querido e idolatrado pai, ceifado pela varíola. Ficou inconsolável e, resiliente, nunca se esqueceu dos ensinamentos do velho Zé Pedro, repetindo-os sempre que possível, contado suas histórias, catando suas lembranças e seus feitos, com o olhar perdido no infinito.

Meu pai tinha estatura mediana, era elegante, gostava de trajar roupas brancas e estava sempre perfumado. Em fins dos anos 1960, comerciante estabelecido, enamora-se da professora Ivanicia Lima, das margens do Rio Piranhas e com os pés no Vale do Piancó. Casaram-se em 1970. Da união, nasceram Christiano – farmacêutico, jornalista, servidor público – e Cristina – jornalista e professora.

Tocou o comércio como pode. Fazia compras em Campina Grande e no Recife, quando aproveitava para visitar os irmãos que lá estudavam. Na mala, minha avó sempre enfiava uma merenda pros filhos: doce, queijo, rapadura… Quando em vez, meu pai até deixava uns cruzeiros pra aliviar as andanças dos irmãos-meninos.

Atravessa os duros anos 1970 enfrentando uma falência no comércio, o desemprego e o renascimento ora na iniciativa privada, fiscalizando obras públicas, ora no serviço público, agindo no setor de tributos do município de Cajazeiras.

Quase cinquentão, resolve voltar a estudar e forma-se Técnico em Contabilidade no Colégio Comercial de Cajazeiras, profissão que abraçou até os últimos dias da sua vida, sendo considerado o mais antigo contador da cidade à época da sua morte.

Foi contador de um sem-número de pequenos estabelecimentos comerciais em Cajazeiras. Percorria mensalmente esses locais em busca da escrita fiscal e contábil, da conversa, dos honorários. Do Centro ao Pôr do Sol, passando pelo Alto do Cabelão, ops, Belo Horizonte. Do Rabo da Gata, digo Vila Nova, aos Remédios. Das Capoeiras ao Bairro da Esperança. Não havia localidade que não houvesse um mercadinho, uma loja de confecções, uma bodega, um bar que não fosse seu cliente. A joia da coroa era o velho Mercado Público, onde vários comerciantes utilizavam os seus serviços. Declarações do Imposto de Renda ocupavam dias e dias do seu cotidiano, quando se orgulhava de nunca ter perdido um prazo.

Viveu para ver o nascimento das netas Marina e Camila, minhas filhas. Conviveu com elas naquele jeitão dele: calado e contemplativo. Tenho certeza que lhes queria muito bem.

Mesmo não tendo se recuperado de um acidente que lhe custou a mobilidade plena, não deixou de circular pelo Calçadão da Rua Tenente Sabino, onde, mesmo sem poder mais saborear sua cachaça predileta, ainda sentava-se religiosamente às manhãs de sábado no indefectível Bar do Genésio. Para ver o tempo passar. Para ser visto. Para ouvir as pessoas. Para se sentir vivo.

Não era afeito a celebrações, datas, festividades. Quando muito, alguma reunião em casa dos irmãos. Ou (todos) os aniversários das netas. De pouca conversa, sério como o pai, tinha poucos e bons amigos. Não gostava de exalar simpatia, fazia até pouco caso disso.

Da minha avó, Maria Félix, herdou o paladar pela coalhada, pelo queijo. Outras características familiares não irei aqui declinar para não melindrar a parentada. Era apreciador de um balcão de bar – e nisso ‘puxo’ a ele – de buchada, de feijão de corda, de carneiro cozido e muito, muito caldo, pra escorrer no canto da boca.

Em 2016, acometido de uma infecção intestinal que evoluiu para uma septicemia, padeceu por três longas semanas internado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Regional de Cajazeiras. Quanta ironia… Logo ele que se orgulhava de jamais ter tido, ao longo de sua vida, nada grave em termos de saúde.

Meu pai morreu numa sexta-feira e foi sepultado num sábado; o sábado que ele tanto gostava e que se tornou um sábado triste. Morreu no dia 13 de maio de 2016, aos 84 anos, num mesmo dia 13 de maio em que veio ao mundo. Tive a honra de conduzir o seu esquife e seus restos repousam no mausoléu da família, juntos dos seus pais, irmãos e familiares, no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, na Cajazeiras que ele escolheu pra ficar.

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