Brincando com as palavras

Obviamente, o leitor, ao iniciar a leitura desta Coluna, irá perguntar-se: o que tem a ver o título “Brincando com as palavras” com o Portal da Memória? Questionamento lógico, porém muito fácil de responder. Objetivamos, apenas, resgatar alguns vocábulos que nos eram comuns, quando da nossa infância/adolescência, e que vão se fossilizando, desaparecendo no tempo e no espaço e, portanto, sumindo de nossa etimologia.

E o interesse maior do cronista é este mesmo: resgatar palavras que vão desaparecendo do uso cotidiano, mas que se vão perpetuando na nossa memória afetiva. E inicio estas divagações, consciente que sou de que a referência, nos dias atuais, a qualquer tipo de restrição étnica é crime previsto em lei. Mas, nos tempos idos, não era assim.

Tanto é que, exemplificando, nós tínhamos, ali na Rua 13 de Maio, um amigo de todos, cidadão respeitável e respeitoso, que atendia pelo nome de João Preto, como se  o sobrenome fosse este mesmo. O filho, nosso colega e amigo das infantis “peladas” futebolísticas, atendia pelo nome de Chico Preto, e isso não lhe trazia nenhum constrangimento. Se o chamássemos somente por Chico – ainda hoje não lhe sei o sobrenome –, ele não somente não atendia, como ignorava o chamado.

Noutros tempos, a alcunha Nego (nêgo) nunca foi depreciativa. Havia Nego Chico Venâncio (ou Nego Chico de Jerônimo), assim conhecido nos meios estudantis, que era prestigiadíssimo pelo Monsenhor Vicente, que o colocou como professor e instrutor de Educação Física, no Colégio Diocesano, e, posteriormente, como office boy da Rádio Alto Piranhas. Sempre nos pareceu uma criatura respeitada e responsável, até o dia daquele incidente ocorrido nos escritórios da firma Galdino Pires. (Os mais idosos sabem, certamente, do que estou falando).

O meu grande amigo Dr. Severino Cartaxo, traumatologista de renome aqui na Capital, nós ainda hoje o chamamos, afetivamente, de Negão. “Nego” ou “Negão”, em alguns casos, traduzem, antes de mais nada, afetividade…

Ainda, batendo nesta tecla, o depreciativo era chamar alguém de “tição”, mas isso somente acontecia em contendas muito sérias, o que era muito raro. Aí, sim, o termo se tornava depreciativo e, portanto, ofensivo. Naquela época, não se conhecia o bullyng. Atitude semelhante era recebida com uma simples resposta: “não tire sarro com a minha cara!

Voltando ao resgate de palavras que vão se fossilizando, recordo-me de passagens comuns nas vivências em Cajazeiras e, talvez, no Nordeste. Vamos a mais algumas delas: depois da janta, como ainda não havia televisão e, nem sempre, a “Hora do Brasil” nos interessava, costumávamos, já na “boquinha da noite”, sentar-nos ora na calçada mesmo, ora em tamboretes ou em preguiçosas (também conhecidas como espreguiçadeiras), para saborearmos as estórias de Trancoso.

Desses divertidos encontros, não participavam as mulheres puérperas – chamávamos de mulheres “de resguardo” –, pois elas tinham que cumprir os 40/45 dias de cama, à base de canja de galinha; caso contrário, quebravam o resguardo e poderiam não sobreviver. (Hoje – coitadas! –, creio eu que, após o sétimo dia do parto, já estão “no batente”).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Ano Novo

Nos primeiros momentos deste novo ano não procurei esperanças, apenas mergulhei num universo de saudades para procurar nos…
Total
0
Share