As aventuras de Pedro Manoelzinho (ou João Malazarte?)

VALIOMAR ROLIM

João de Manoelzinho, homem simples, semi-analfabeto, provido de toda brutalidade, esperteza, valentia, criatividade e até delicadeza que a universidade da vida pode dotar, marcou presença como um Pedro Malazarte da Cajazeiras dos anos sessenta e setenta. Enfrentando a lâmina tênue da vida como um verdadeiro sobrevivente da pobreza, da fome e da violência, fez de sua vida um verdadeiro desafio, uma provocação ao otimismo, um brinde à perseverança, ocupou-se sempre em “empreendimentos” marcantes, nunca sobrou tempo para lamentações.

Nas proximidades da praça Camilo de Holanda, onde seria construída a igreja de São João Bosco, aproveitava a saída dos fieis da missa campal que se celebrava nas tardes de Domingo, num circo mambembe, anunciou a sensacional “mulher que vira peixe”, casa lotada. A jovem artista, que nas horas de trabalho fazia ponto na Palha, ao ver tamanho público, não teve coragem de apresentar-se e forçou João de pedir a Zefa dos Peitão um soutien e uma calcinha emprestados para fazer, ele mesmo, a apresentação.

A entrada da figura no picadeiro já provocou uma gargalhada geral, maior ainda quando o baixinho Zé Baleia, o assistente, entrou empurrando um carrinho com os objetos de cena. A platéia estava totalmente entregue à risada quando a “artista”, tirou do carrinho uma frigideira com um peixe dentro e balançou-a com movimentos em que o peixe virava de um lado para outro. A assistência foi à loucura. Homens, mulheres, meninos e até o padre, que saíra da missa direto para o circo, faziam do ambiente a maior balbúrdia, mas a “mulher” estava virando o peixe e foi o prometido. Restou da história a saída de todos, rindo ou reclamando, e a descrença no circo do J. Manoelzinho.

Não havia de ser nada, o circo foi a Jatobá, cidade a 30 quilômetros de Cajazeiras, lá a atração foi o homem que entrava em quatro garrafas. Casa cheia, depois que João, à hora da atração máxima, disse que só um louco acreditaria naquilo e, para cumprir o prometido, colocou um dedo em cada uma das quatro garrafas, a turba destruiu o circo.

Sem circo e sem dinheiro, João foi a Ipaumirim – CE, alugou o cinema local e anunciou o show da noite: o homem que desaparece. Casa cheia e público impaciente, passadas duas ou três horas sem que começasse o espetáculo, alguém da platéia foi à bilheteria informar-se sobre o início da função, soube-se então: o homem desaparecera.

De saco cheio do mundo dos espetáculos, fundou um clube que ficou famoso, pelo episódio de um pai, que perguntando se sua filha moça ali estaria.

“Moça? Aqui não tem, pode até entrar, mas não sai moça.”

Voltou-se para o futebol, foi a Juazeiro do Norte – CE e acertou um jogo entre a seleção da cidade e o Botafogo de Cajazeiras, que estava na liderança do Campeonato Matutão na Paraíba. No acerto, comprometeu-se em levar a filha do prefeito de Cajazeiras para dar o pontapé inicial. Levou seu velho time, o Íbis, como se fora o Botafogo, e uma das meninas da Palha para posar de filha do prefeito.

Aos dois minutos do primeiro tempo o “Botafogo” fez um gol, foi só isso. O jogo terminou com o placar de 9×1, para o time da casa. Não deu outra, saiu do estádio debaixo da maior chuva. Copos, garrafas, chupas de laranja, tudo que se podia jogar. Foi preciso proteção policial para a equipe sair do estádio. Ficou barato, João recebera o pagamento antecipado.

Quando Chico Rolim assumiu pela primeira vez a prefeitura da cidade, pressionado pela falta do produto, aumentou o preço da carne e provocou a maior grita na cidade. As difusoras fizeram o maior estardalhaço, a população não falava em outra coisa e a oposição, ainda não refeita da derrota recente, aproveitou a deixa para começar a campanha seguinte. A cidade fervia, tudo o que acontecesse era creditado (ou debitado?) ao aumento da carne.

O prefeito, para diminuir o estrago, negociou com os açougueiros, beneficiários da medida, a doação de toda a carne com osso à população carente. Foi uma festa, era pirão com cachaça por tudo que era lugar.

Junto com alegria da pinga veio a idéia de sair com escola de samba fora de época. João, apesar de não beber nem fumar, assumiu seu papel de líder da escola. A cidade toda, mal saiu a escola, conheceu o “samba enredo” criado para saudar o aumento da carne. Até o prefeito postou-se num lugar onde não podia ser visto para também conhecer o samba.

O chefe da edilidade ainda hoje se lembra com desconforto do estribilho.

“A carne quando assa tem um gosto diferente.
O rico fica alegre e o pobre fica contente.
Oi neguinho! O que é que pobre come?
Pobre só rói os ossos.”

1 comentário
  1. Esse é o meu pai, nosso orgulho, e que nos deixou muitas saudades. Era o alicerce da nossa casa, a nossa alegria, porque nao tinha tempo ruim para o meu pai, nem mesmo quando as coisas não iam bem. Nunca o vi reclamando ou murmurando, porque ele sempre arrumava um jeito pra tudo. Lembro-me de quantas vezes ele nos acordava a na madrugada pra comer xibuga, rsrs, ( hambuguer ) pela falta de estudo tinha palavras que ele não sabia pronunciar corretamente. E como para nós tudo era uma novidade, acordávamos cheios de sono, com um olho aberto e o outro fechado pra comer o “xibuga”… Foi um paizão, um avó pai pra os netos. Nos sentimos felizes em saber que el continua na memória de todos com as suas histórias que mesmo sem ser contadas por ele ainda arranca sorrisos de que ler ou esculta. Obrigada.

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