A oferta das árvores

Fico pensando nessas linhas mal dormidas que construo toda semana. E penso também no leitor: se se dispõe a ler é porque quer compartilhar. É isso. Não sei se devo agradecer agora ou se devo continuar com as linhas para que o processo não se quebre. Penso, ao mesmo tempo, como é possível ficar teorizando acontecimentos, como se eles fossem gente, fatos de carne e osso.

É como se um turbilhão interior estivesse gritando, pedindo para ser gritado, do mesmo jeito quando o silêncio pede para ser silenciado. Ele diz: “quero me calar”. E esse turbilhão nasce a cada letra, que desemboca numa sílaba, que gera uma palavra, que aponta um significado, que lembra som e imagem se irmanando; e, antes disso, a letra tinha sido impulsionada por uma vontade, pelo pedido da própria coisa, pela súplica do sentido, pela idéia emotivada.

Mas pode não ser isso ou pode não ser só isso: pode ser a letra saindo num tipo de transe acordado, se possível; pode ser esse estado que se revela no cansaço do pensamento, cuja sorte explode numa palavra. Quando o sentido sai, pula, vive, já existe a significância comprovada na mente de cada um. Você lê de uma maneira só sua, e essa leitura obedece, sem querer, a um comboio de experiências visuais, táteis, gustativas, auditivas, olfativas somente suas. E o que é seu, neste instante, revigora-se no que é meu, pois eu lhe ofertei as linhas, mas, por outro lado, estas existem com a sua ajuda. É uma oferta cheia de causas e proporções.

Quando você recebe de mim a palavra árvore, por exemplo, não está recebendo do nada e nem do nada constrói a sua própria árvore. A imagem desponta de alguma árvore que você já viu, subiu, tocou, plantou. Bom, mas e a minha? A minha árvore está dentro de mim e sai, aos poucos, quando a palavra pede; às vezes, exige e, às vezes, implora. Devagar, toma meus braços e pernas, barriga, pescoço e cabeça; cresce por entre cérebros, fígados, corações, intestinos… Aumenta a cada minuto, pratica a sua fotossíntese comigo, não morre. As folhas vão me massageando e me alimentando, a raiz me estabelece enquanto se espalha com a sua ordem habitual. O caule, rigoroso, filtra as muitas imperfeições, corrige resultados. Frutos não nascem facilmente, mas se o fizerem, sairão nos olhos e na boca, ou ainda assim, ocorrem sob a forma de um simples embrião, justo nas palavras.

É essa árvore que lhe oferto, num gesto escrito de agradecimento pela árvore que você me fez lembrar. Não é troca. É subirmos num balão, é visitarmos os anos três mil ou é voltarmos aos setecentos e cocadas e comermos as cocadas. É estarmos vivendo e percebendo esse fenômeno.

Agradece-se ou começa-se uma outra árvore? Fico pensando nisso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
Total
0
Share