A mancha na coroa do Rei

Há um velho ditado popular que diz: “quem foi rei, nunca perde a majestade”. Tenho minhas discordâncias. Nem Todas as pessoas que nascem com habilidades especiais, talentos extraordinários, e que ganham o epíteto de “rei”, cuidam em fazer com que sua coroa seja brilhante em todos os sentidos. Terminam por se permitirem, como indivíduos comuns, cometendo erros que deslustram o brilho de sua imponência. 

Neste mês de outubro estamos comemorando os oitenta anos de uma personalidade que ganhou projeção no mundo inteiro, por ser considerada alguém fora do comum. No mundo dos esportes ele assumiu, com todos os méritos, o trono de “rei do futebol”. Indiscutível a benemerência do título conquistado. Pelé tornou-se orgulho de todos nós brasileiros. É, sem dúvidas, o nosso compatriota mais conhecido no planeta. 

Guardo comigo a lembrança da felicidade em vê-lo jogar aqui em João Pessoa, quando esteve próximo de fazer o milésimo gol de sua carreira futebolística. Há quem diga que essa glória aconteceu naquele jogo que presenciei. Decidiu sair do ataque para jogar como goleiro, porque o estádio olímpico não era o palco adequado para tamanha proeza. Podemos até compreender sua atitude. Realmente, por sua condição de majestade, merecia um cenário mais ajustado ao acontecimento que o mundo inteiro esperava para comemorar. Todavia, foi minha primeira decepção com o “rei do futebol”. Entendi como uma desconsideração com o público que estava ali para reverenciá-lo. Mas, digamos, que foi uma falha pequena e perfeitamente aceitável. O fato merecia um cenário na conformidade do grande feito, ansiosamente esperado. 

Meu desapontamento com o “rei” não foi esse episódio da partida de futebol aqui realizada. Ainda que me sinta tentado a homenageá-lo pelo que fez com a bola nos pés, honrando e exaltando nossa nacionalidade, não posso deixar de criticar sua postura em negar reconhecimento de paternidade a uma filha concebida num romance esporádico da sua juventude. Mesmo com todas as provas de que ela era sua filha biológica, mostrou-se indiferente, evitando qualquer aproximação durante toda a vida. O sentimento doloroso de rejeição do pai famoso, fez com que escrevesse um livro intitulado “A FILHA QUE O REI NÃO QUIS”. 

Nem na sua morte o “rei” teve a sensibilidade humana de comparecer ao seu velório. Não é postura de quem traz o título de majestade. A sua coroa ganhou uma mancha que nunca desaparecerá. Lamentável e injustificável sobre todos os aspectos. Recusou-se realizar o sonho da filha enquanto ela estava viva. Os dois só se encontraram nos tribunais, por ocasião da batalha judicial que durou seis anos para obtenção do reconhecimento da paternidade. Nem a comprovação atestada pelo DNA fez com que o “rei” se curvasse às evidências e se aproximasse de sua filha, porque tinha receio de prejudicar sua imagem. 

O abandono paterno é uma mancha que deslustra sua coroa de rei. Se apequenou. A majestade perdeu sua grandiosidade. Confesso que tenho dificuldades em prestar-lhe as homenagens que estão programando para comemorar os seus oitenta anos de vida. Vibro ao rever suas jogadas excepcionais vestindo a camisa da seleção brasileira. Todavia, me entristeço e me envergonho ao observar aquele que consideramos “rei” ter sido tão desumano e tão frio diante do ansioso desejo de uma filha que, por toda vida, quis receber o abraço carinhoso de seu pai. Desculpem-me os aficionados do futebol, e eu sou um deles, mas não me sinto à vontade para prestar homenagens a um rei que fez questão de sujar sua coroa com uma nódoa que jamais será apagada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Querido Açude Grande

Mistérios transpassam, com liberdade, aquele horizonte. Mistérios. É a barra que nos diz algumas frases. É aquela linha…
Total
0
Share