O fantasma da Paixão de Cristo

VALIOMAR ROLIM

Ninguém podia imaginar. Lirácio, um de uma dúzia de filhos de seu Herculano e Dona Socorro, pudesse ser ator. Mas a cidade estava efervescente. Cajazeiras, depois da morte de Dona Ica, a criadora do TAC, (Teatro Amador de Cajazeiras) era teatro só. Acontecia o Grutac, o Grupo Mickey, a Metac, tudo era grupo de teatro.

A febre de teatro estava tão grande que o Padre Dagmar, diretor do Colégio Padre Rolim, resolveu fazer o seu grupo, montar uma peça, o Diocesano não podia ficar de fora.

Montou um espetáculo: Jesus Cristo 2000.

Convocou os alunos. A maioria não quis. Teatro é coisa de boiola, diziam. Fez chantagem, o aluno que aceitasse teria benesses nas notas, se não aceitasse, a coisa piorava.

Diante dessa situação os atores apareceram. Foi tanta gente que Lirácio quase que ficou de fora. Mas, ele tinha atuado numa peça de Dona Ica: fez o defunto em “A Incelença”, num papel em que ficou deitado todo tempo, pelo que creditou-se a fazer uma peça e por isso ficou.

Foram sessenta dias de ensaio. Lirácio, em todo espetáculo, tinha uma única fala. Dizer, quando Cristo ressuscitasse: “É um fantasma!”.

O padre convidou a cidade inteira, usou do nome do Colégio, que tinha mais de cem anos de fundado, e fez todo mundo comparecer. A cidade se prostrava aos pés do colégio que a fundou.

Espetáculo bonito, tudo dava certo, até que colocaram um carneiro em cena. Diferente dos ensaios, onde não havia platéia, o animal empacou. Por mais que se tentasse não entrava no palco. Quando foi jogado, correu alucinado pela platéia causando a maior correria.

Lirácio a tudo assistia com a preocupação maior: não esquecer sua única fala. Teria de dizer: “É um fantasma!”. E passou, a exemplo do que fizera nos últimos sessenta dias, o tempo todo repetindo a frase que não poderia esquecer.

E o espetáculo foi evoluindo. O tempo passava e aproximava-se a vez de Lirácio falar e ele repetia, incontadas vezes, a fala. Parecia que estava vendo um fantasma de tanta expectativa.

Chegou o tão esperado momento, Lirácio tremia da cabeça aos pés, parecia que ia explodir, se pudesse escolher estaria longe dali. Quando, depois do que pareceu uma interminável pausa, disse sua fala, não se ouviu nenhuma reação da platéia, que a tudo assistiu impassível. O contrário aconteceu com o elenco que caiu numa estrondosa risada.

É que ele disse: “É uma visagem!”. 

DO LIVRO “O CRONISTA DO BOATO”, DE VALIOMAR ROLIM

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