Prisão verde

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de rever o entendimento da aplicação do Marco Temporal que disciplina a demarcação de terras indígenas no Brasil além de provocar uma rebelião no Congresso Nacional, que se viu vitima de usurpação de competência pela aquela Corte, deixou também o agronegócio em pé de guerra, um forte e estratégico setor da economia duramente, atingido pela medida.

Ancorada numa tese jurídica chamada segunda a qual os povos indígenas têm o direito de ocupar terras que já ocupavam ou, já disputavam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, o Marco Temporal se tornou um cavalo-de-batalha entre indígenas, ambientalistas e ruralistas que teve seu ápice quando na semana passada o STF declarou inconstitucional essa tese que permite aos povos originários a posse de mais terras das que já ocupam. 

Segundo o Censo IBGE 2022, o Brasil conta uma população de 1,7 milhão de indígenas, sendo que mais da metade (51,2%) ocupam a Amazônia Legal, o equivalente a 0,83% da população brasileira e o curioso é que 63% deles vivem fora dos territórios indígenas. São mais de 266 povos indígenas, que falam mais de 150 línguas diferentes, ocupando 11% de todo território brasileiro. Possuímos algo em torno de mais de 550 áreas indígenas que ocupam um território de 1,17 milhão de quilômetros quadrados que corresponde aos estados do Mato Grosso e Tocantins juntos.

Levantamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) aponta que somente a reserva indígena dos Yanomami, encravada entre os estados de Roraima e Amazonas, possui uma área de 100 mil quilômetros quadrados, área equivalente aos 98 mil quilômetros quadrados do Estado de Pernambuco, para abrigar 30,4 mil índios. Imagine caro leitor tornar, hipoteticamente, todo Estado de Pernambuco, hoje com uma população de 9 milhões de habitantes, numa reserva indígena com apenas 30 mil índios. São estatísticas irrefutáveis que provam cabalmente que temos muita terra demarcada para poucos índios.    

Esta nova decisão suscitou um debate nacional sobre as razoes que levaram a nossa Corte maior reavaliar um tema aprovado na constituição de 1988.  Quais as razões e que motivaram o nosso instável Supremo Tribunal mudar esse entendimento?  A nova medida beneficiaria mesmo os indígenas? 

A resposta a esses questionamentos, que viralizou nas redes sociais, veio de forma contundente em tom de revolta da indígena Ysani Kalapalo, da região de Santa Cruz do Xingu no nordeste de Mato Grosso, que protestava contra a criação de uma nova Terra Indígena naquela região “aqui dentro das nossas terras já demarcadas não podemos plantar aquilo que a gente quer, não temos liberdade, tudo temos que pedir permissão para Funai, Ibama, para Ongs, ou seja, o que adianta demarcar mais terras indígenas se o índio não tem liberdade dentro dessas terras, tudo tem que passar pelas mãos deles. Mais terra mais prisão, parece estamos vivendo dentro de uma prisão verde”.

Com esse desabafo da Yasni, percebe-se claramente que o nó górdio da questão, embaçado pela polarização ideológica, que originou esse embate entre ruralistas e indígenas não se resolve oferecendo mais terras para índios e sim, depende uma ampla e vigorosa implantação de políticas públicas de apoio aos povos originários para preservação ambiental, manutenção da sua cultura e da sua própria sobrevivência. Esse é o caminho.

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