Cunhado forte

VALIOMAR ROLIM

Depois de tantos anos era difícil lembrar. Difícil? Para muitos, não para ele, João Magrelo. Cajazeirense, sofrido, discriminado, não podia esquecer como fora tratado. Adolescente de família humilde, numa cidade pra lá de tradicionalista, procurou viver entre os cheirosos do Tênis Clube. Tentou, mas não conseguiu. Fez de tudo para se enturmar, procurou ser simpático, ser o mais agradável possível, chegou às raias do puxa-saquismo, mas, mesmo assim, não deu certo. A rejeição era patente, flagrante, pagou um preço alto por não ser um deles.

Na cabeça vinha a triste recordação das festas. Via os bacanas entrarem sem apresentar carteira, ingresso, convite, nada, passavam direto. Quando tentava fazer o mesmo, o porteiro, Pedro Revoltoso, barrava-o. Depois de muito implorar, era permitido o seu acesso, com a condição de manter-se comportado, não dar um pio. Uma vez, depois de colocada a tradicional condição, argumentou que alguém poderia bagunçar e por a culpa nele, não deu outra, foi barrado somente pelo comentário.

Agora seria diferente. Depois de alguns anos no Sul Maravilha, voltou. Carrão importado, roupas de primeira linha, jóias preciosas, uísque escocês na mesa e, em pleno Bar Alvorada, no ponto vitrine da cidade, se fazia expor. Era a sua vendeta particular contra a cidade. Voltava diferente e rico, vingar-se-ia de tudo e de todos, mostraria que era dos bons, até lembrou Geraldo Vandré quando disse: “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.

Ficou se exibindo. Até que apareceu um dos bacanas de sua época. Um fraco, um perdedor, uma nulidade coroada, pensou. De família rica, ficara ali, sentado nos louros, sem perspectiva de futuro, não perseguira o sucesso como ele e tornara-se um ilustre fracassado, segundo a sua ótica, e vinha agora sentar-se à sua mesa, comer na sua mão.

O agora humilde conviva, para causar satisfação, começou a elogiar o carro. João Magrelo, salientou todas as qualidades de seu bólido e destacou: “É o fraco o meu carro?”. Profundamente aborrecido, porém tomando uísque de graça, o rico do passado elogiou a camisa do ex-excluído. A resposta veio, caracterizou a camisa como de seda chinesa e sempre com o comentário: “É a fraca a minha camisa?”. Depois de elogiar e ouvir sempre o mesmo comentário de tudo que o, agora rico, João Magrelo exibia, o ainda mais revoltado conviva explodiu e mostrou sua indignação com a lembrança de uma das irmãs do novo rico.

E a pergunta veio: “Você tinha uma irmã que era a maior rameira da cidade, uma puta, o que é feito dela?”

A resposta saiu rápida e expedita: “Minha irmã tornou-se freira: é esposa de Jesus Cristo – é o fraco o meu cunhado?”

VALIOMAR ROLIM É MÉDICO E ESCRITOR

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