Cuca legal

VALIOMAR ROLIM

Início dos anos oitenta. Em cajazeiras um médico lutava contra as dificuldades para manter sua clínica psiquiátrica. Instalara o empreendimento, já em segundo endereço, em uma antiga casa residencial, bem vizinho à catedral, no velho casarão que pertenceu ao Coronel Peba e, mais tarde, ao seu filho Dr. Juca Peba. O prédio, construído para outra finalidade, por mais que se tentasse, não se adequava à nova função e isso motivava brincadeiras dos gozadores de plantão. Tanto que, quando a clínica mudou-se para o prédio que mais tarde construiu, lá foi instalado um bar que, por mais que os donos se empenhassem para que ficasse conhecido como o casarão, só era identificado quando nominado de Bar dos Doidos.

Foram muitos problemas. Dificuldade com recursos humanos, afinal era difícil conseguir pessoal para atendimento especializado. Dificuldades com recursos financeiros, pois foi muito árdua a luta para conseguir o convênio com o antigo INPS. Dificuldades de toda a espécie, mas a principal era a inadequação do prédio.  Pelo fato da velha construção não ser nem um pouco apropriada para o funcionamento de uma clínica psiquiátrica, as fugas eram frequentes, quase semanais, talvez mais que isso. Era comum encontrarem-se pacientes perambulando pelas ruas. Uma coisa era certa, sempre que um interno sumia, horas depois era localizado e levado de volta.

Eram tantas evasões que alguns dos internos contavam às dezenas de fugas, mas havia um paciente que nunca fugira, talvez fosse o único. Tratado como patrimônio da casa, parecia fazer parte da mobília, não dava trabalho a ninguém, até ajudava em pequenas tarefas. A não ser nos registros não se lembrava quando dera entrada naquele serviço.

Um belo dia aconteceu o inesperado. O sempre cordato e prestativo paciente fugiu. Acompanhado dos maiores reincidentes, evadiu-se sem que se soubesse como nem porque. Médicos, enfermeiros, auxiliares, todos, ficaram abismados com o fato. Parecia que haviam perdido alguém próximo, e o pior, diferente das outras fugas, não se tinha notícias do paradeiro de um único fugitivo. Foi uma fuga diferente, coisa nunca vista.

Surpresa e choque maior foi quando, na manhã do terceiro dia após a fuga, ao abrirem-se as portas da cínica, deram com o fujão primário. A perplexidade transmutou-se em risos quando o filho pródigo explicou-se: “eu só fugi para ensinar a esses doidos bestas como é que se faz”.

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