Zé Cardoso e seu legado de sonho e fantasia

BOSCO MACIEL

Calmo e tranquilo, e com seu jeito manso de falar, cativava a todos. Assim era Zé Cardoso, torneiro mecânico de Cajazeiras. Iniciou-se como profissional na fábrica de beneficiamento de algodão, o ‘motor’ do Major Galdino Pires, no final dos anos 1940 do século passado.

E, na profissão, nos anos 50 trabalhou na Oficina de Maciel, onde usinava ‘pontas de capa’ de caminhões, com altíssima precisão, o que o tornou conhecido em toda região como um profissional extremamente habilidoso e criativo.

Já nos anos 60 em sua Oficina São Cristovão, apenas com seu torno de 1,5 m, financiado por Dr. Gineto (Higino Pires Ferreira) em Campina Grande (que ele pagou religiosamente em prestações mensais de oito mil réis), Zé Cardoso conseguia restaurar todos os componentes de um motor industrial (pistom, segmentos, bronzinas, camisa, virabrequim…).

Sem falar dos lindos piões torneados em miolo de aroeira e pau de goiabeira que ele fazia em horas de folga, com os quais fantasiei toda minha infância… Tenho a certeza que papai, antes de ser um torneiro mecânico, era um artista sensível e talentoso.

Ele admirava as cores e os traços dos quadros de Severino Oliveira (irmão de Chico Oliveira, seu grande amigo e também muito talentoso), que presentou papai com uma obra em grafite do presidente Getúulio Vargas, mais perfeita que uma fotografia.

Papai gostava de música e ouvia rádio com frequência. E, quando o aparelho pifava, pedia para eu levar para Galdino Vilante fazer o conserto. Adorava festas populares e, como brincante carnavalesco (participava do bloco Mamãe sem Nora), saia para brincar o Carnaval na sexta-feira e só voltava pra casa na quarta-feira de cinzas.

Era um assíduo frequentador do Cine Éden. Nos levava (a mim, meus irmãos e irmãs) para assistir filmes de Mazzaroppi, Jerry Lewis e Cantinflas. Nos matinês de domingo assistíamos séries, como ‘Terror dos Espiões’.

Mas, uma coisa que me acompanha em todos os dias de minha vida como uma doce lembrança, era ele me levar (eu tinha incipientes sete a oito anos de idade) para assistir a missa de cinco da manhã na Igreja Matriz Nossa Senhora de Fátima (ainda exalando o cheiro de conhaque São João da Barra que bebeu na noite anterior), onde passávamos embaixo de uma quaresmeira que espargia beleza e perfume por toda calçada onde, anos depois, seria construída a residência da Seu Arcanjo.

Já chegando à igreja, parávamos no oitão para ouvir os cegos (esmoleres) cantadores, que, com seus instrumentos – uma corda de aço presa a duas latas de leite em pó, açoitada por uma haste de ferro – cantavam toadas à Santa Luzia.

Ao chegar na Igreja, o dia já nascendo, eu – sem interesse pela celebração da missa -, me deliciava vendo o Sol (majestoso) atravessar os coloridos vitrais, que alimentavam a minha (ainda tenra) alma de artista…

E assim, papai, em sua simples genialidade, nos apresentou (a mim, a meus irmãos e irmãs), o fascínio do mundo das Artes. Hoje, anos depois, vivendo em terras do sul, eu, Bosco Maciel, mantenho a certeza de que devo esta minha vida imersa no mundo das Artes e da Cultura, ao nosso pai Zé Cardoso, um fazedor de sonho e fantasia.

BOSCO MACIEL É CAJAZEIRENSE, POETA, FOLCLORISTA, CANTADOR, FUNDADOR DA CASA DOS CORDÉIS E MEMBRO EFETIVO DA AGL (ACADEMIA GUARULHENSE DE LETRAS)

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