Trairagem

O jovem e talentoso diretor de origem dinamarquesa, Danny Boyle, foi certeiro num de seus filmes, o Cova Rasa. Não sei se você viu, mas, vou contar a estória sem desvendar o melhor do suspense, senão não tem graça. E recomendo este filme para aqueles que almejam a carreira política.  

Três jovens de classe média estão querendo escolher um novo companheiro para um belo apartamento, colorido e aconchegante. Pense numa atmosfera pop, no início. Os três: um nervosinho contador, com cara de pamonha mal costurada; um ardiloso jornalista bonitão e narcisista, com cara de michê; uma linda médica, com cara de nobreza. Os três bastante entrosados, cúmplices, amigos há muito tempo.

O novo companheiro, que ganharia um quarto só para ele, teria que ser cabeça, gostar de música, de cinema, de gente, de conhecer, de aprender, da vida. Mais ou menos isso.

A escolha foi desgastante, mas eis que, numa bela tarde, chega, finalmente, o cara que tinha “tudo a ver”. Ele, meio tímido, meio esquisito, meio distante e meio oblíquo, concordou com todas as determinações do grupo. Beleza. Mas ficou trancafiado no seu quarto, um, dois, três dias. Até que… “vamos saber o que o cara está fazendo”. Arrombaram a porta e viram que o novo companheiro, após uma suculenta e perigosa viagem de heroína, estava mortinho, em cima da cama. E, embaixo desta, adivinha? Uma mala, repleta de grana, grana, muita, mas muita grana. Grana que daria para dar a volta ao mundo.

“E agora? O que vamos fazer?” Idéias, suspiros, medos, culpas e planos rolaram nas cabeças-pensantes dos amigos. Resultado: “vamos ficar com o dinheiro e enterrar o cara.” Qual dos três, para fazer o serviço de serragem? Vai no palitinho. O sorteado é o contador, aparentemente o babaca. Lá se foram, para o mato, enterrar o defunto numa cova… rasa. E quem vai fazer a matéria? O jornalista narcisista e sexy.

Depois de inúmeras complicações, descobre-se que o morto era um dos líderes de uma gangue, que havia armado toda aquela confusão do dinheiro, que havia se escondido no ap. Os outros bandidos começaram, então, a busca. Aí é que a estória começa. Cada um que quer a mala. E você percebe as amizades sendo destruídas, de maneira lenta e assustadora. Cada um que quer matar o amigo, para fugir com a grana.

As amizades, os escrúpulos, as verdades, as intenções, os instintos, os gestos, as crueldades: tudo é posto à prova, num multiprocessador imenso, de cenas curtas, diretas, ofegantes, carteadas. Não dá pra ver parando o controle. Tem que ser de uma tacada só. Vupt! E engolir o final, que é uma serpente, beliscando o seu “por dentro”, de várias formas cinematográficas e horrendas.

Veja Cova Rasa quando não estiver querendo se alegrar, sair, almoçar, brincar, trabalhar. Num daqueles dias neutros, de preferência. Lembre-se que o cinema, encarado como “a sétima arte”, serve, também, para fazer o seu público reviver, ou seja, reexperimentar as realidades. Nada como saber até que ponto uma famosa “trairagem” pode andar, até onde ela pode desaguar, até onde os seus supostos amigos viram inimigos cruéis e sanguinários.

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