Tigé

Quando eu perambulava pelos corredores e pátios da Escola Cristiano Cartaxo, o Polivalente, já ouvia falar muito bem de Angelina. Se eu estivesse naquele ambiente, feliz da vida, era por causa de uma destas hipóteses: eu não tinha com quem ficar à tarde ou era dia de festa. A segunda, lógico, era a melhor. Gincanas, jograis, jogos, discursos, cantorias. Aplausos, aplausos. Sequilhos, bolos, pães recheados e o famoso mingau amarelo. Que delícia.  

Eu, a pequena repórter, procurava um fato, uma bomba, uma manchete, alguém pra trocar ideias. Toda saltitante, de vestido florido, cabelo ajeitado com duas marias-chiquinhas, atenta a qualquer movimento. De repente, vejo a tal diretora, Angelina. Angelina Tavares. Dona Angelina. Com um andar compassado, mas elegante, em cima do salto, a moça foi, de pronto, simpática com a minha presença na escola. Eu nem era aluna, mas me fazia parte do contexto, compreendendo que minha mãe lecionava Geografia por lá, há alguns anos.

Numa conversa rápida, Angelina, que parecia ter muito a ver com o nome, fez algumas perguntas. Muitos anos depois, era eu, a jornalista, quem a entrevistava, com bastante admiração. Um dos questionamentos dela foi se eu gostava de estudar. Ora, amava, pois era meu ofício. Respondi que sim, meio envergonhada com aquelas interrogações. Além disso, a postura hierárquica, na minha frente, apesar de tranquila, era marcante e respeitosa.  

Alguém chegou naquela sala e chamou a diretora por um apelido. Tigé. Achei doce e apropriado. Soava como uma licença de quem era mais próximo dela. A primeira sílaba, talvez, originada da palavra tia. Dona de uma voz aguda, numa compostura singela, difícil de tentar um grito ou grosseria. Eu observava aquela criatura miúda, delicada, afável, que parecia se quebrar a qualquer momento. Mas essa fragilidade era somente impressão. O olhar arredondado, auxiliado pelos óculos, era aberto para o mundo, para o futuro. Tigé não escondia que mirava o horizonte. Havia ali uma força gigante, nunca duvidei.

Angelina é uma daquelas personalidades inconfundíveis, e que eu lamento por não ter conversado mais vezes. Tigé. Tigé vale todo carinho. Cristã atuante, gostava de auxiliar as pessoas. Eu, meninota, ouvi dela alguns conselhos, mesmo em poucos encontros por aquela imensidão da escola. Aconselhou-me, também, na minha fase adulta. Pediu, com veemência, que eu não parasse de escrever. Dizia-se minha leitora. Pensei logo na textura da responsabilidade. Era eu quem me sentia honrada ao saber disso, e deixei claro pra ela. Sim, querida. Prometo.

Ela nem sabia, no entanto, que eu também desenhava, pintava e colava. Conversamos tanto sobre literatura, mas não entramos no campo das artes visuais. Tenho certeza que a amiga seria uma boa confidente e interlocutora sobre essas outras minhas viagens coloridas. Fecho os olhos e ainda a encontro naquela casa, na Rua Doutor Aprígio de Sá. O cenário, o mesmo, com azulejos esverdeados e samambaias para as boas-vindas. Olá, bom dia, boa tarde. Vamos beber um chazinho de cidreira. Vamos. Grande Tigé. Grande.  

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