Pagamento absurdo

VALIOMAR ROLIM

A cidade passava por uma fase próspera. Mal saíra do anos cinqüenta e já aposentara os velhos telefones de manivela, entrara na era da comunicação automática, com telefone interurbano, sem interferência da telefonista. A energia de Paulo Afonso substituía a produzida em Coremas que, por sua vez, tomara o lugar do velho motor a Diesel que, colocado fora de tempo pelo seu operador, expulsara os cabras de Sabino no famoso ataque de 1925.

O espanto da vez era o saneamento. Mal tivera recuperadas suas ruas das obras do abastecimento de água e a urbe assistia tudo começar de novo: era o serviço de implantação da rede de esgoto, o acesso à saúde preventiva.

A euforia era geral, a cidade transformou-se num canteiro de obras. Por todas as ruas só se viam operários trabalhando, era buraco em tudo que era lugar. Levas de trabalhadores dos quatro cantos do Nordeste afluíam para Cajazeiras. O comércio era o termômetro de toda aquela agitação, os negócios aumentavam e o dinheiro corria solto. Lojas, bodegas, prestadoras de serviços, bares, e até boates, abriam diariamente.

Os mais jovens eram otimismo só. Viam, além das várias frentes de obras, gente nova, estações de rádio, conjuntos de yê yê yê, grandes festas, uma revolução. Os mais antigos eram a imagem da vacilação. Viam com entusiasmo contido, até com uma certa preocupação, temiam que, passado o clima feérico, seria um pandemônio controlar todas as novidades e as levas de forasteiros trazidos por elas.

Waldemar Rolim fora um dos que tiveram sua vida agitada por aquele estado de coisas. Já imaginava, ao fim das obras, as levas de vagabundos a fazer biscates, a mendigar e, até mesmo, a delinqüir.

Absorto e tenso com o turbilhão em que se tornara a vida da cidade e, por conseguinte, a sua, não agüentou-se ao ver a calçada de sua casa, recentemente reconstruída, quase destruída que fora, pelo serviço de abastecimento de água, novamente esburacada.

Ficou uma fera. Fez chamar o encarregado geral da obra, aquela não era bronca para ser dada em qualquer feitor. Com a chegada do engenheiro, já mais calmo e até mesmo encabulado com o descontrole anterior, mostrou que, na sua casa, entravam os fios da eletricidade, ele pagava; um fio do telefone, ele pagava; um cano com o abastecimento da água e ele também pagava, religiosamente. E agora? Ali seriam colocados os canos do esgoto, por onde sairia a merda, será que iria pagar também?

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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