Soltando brasa e queimando lenha

No dia 5 de agosto de 1923 o trem chegava a Cajazeiras, depois de uma grande luta. Era apenas um ramal de São João do Rio do Peixe. De lá, quando o trem partia, na curva da estrada, não faltavam lenços acenando e o trem subia a Serra da Arara, “soltando brasa e queimando lenha” e depois de várias paradas, chegava a Cajazeiras.

O trem da Rede Viação Cearense, em sua viagem inaugural foi recebido em Cajazeiras com grandes e ruidosas homenagens, com direito a discursos, brilhantemente pronunciados por Júlio Moésia Rolim, jornalista e tribuno e pela estudante Lindarifa Rolim da Cunha, escolhida pelo poeta Cristiano Cartaxo, como oradora, de tão importante solenidade.

Transportava de tudo: estudantes para o colégio Padre Rolim e para a Escola Normal; levava os estudantes do sertão da Paraíba para receberem formação cultural em Fortaleza, em face do custo barato das passagens;  trazia cartas de amor e noivos para as moças da ribeira. Conduzia pobres e ricos, galinhas, porcos, feijão, farinha, arroz, rapadura, frutas, verduras  e outras  mercadorias. A chegada do trem, na estação, foi durante 41 anos, ponto de reunião do povo desta cidade. Os que chegavam traziam alegrias e felicidades, os que partiam lágrimas e saudades.

Tudo ia muito bem, mas veio a Revolução de 1964 e descobriu que o nosso trem dava prejuízo à Nação. A revolução passava a cassar também até o trem. O seu apito silenciou. Na subida da Serra da Arara, já não soltava mais brasa, nem queimava lenha. A Maria Fumaça parou e o povo chorou.

Em ofício endereçado a Hermano Augusto de Almeida,  Secretário de Transportes e Obras da Paraíba, o engenheiro Francisco Roberto de Santana, do quadro da Rede Ferroviária Federal, relatava que o Ramal Ferroviário de Cajazeiras “teve o seu tráfego suspenso em 04 de junho de 1964” e que os trabalhos de erradicação, isto é, retirada dos trilhos, “tiveram início em 06 de junho de 1970 e sua conclusão em 05 de março de 1971”. Neste mesmo oficio informava ainda que os bens imóveis foram vendidos a prefeitura de Cajazeiras. 

Eram as esperanças do povo de Cajazeiras arrancadas, igual aos trilhos do trem. Isto foi um ato de loucura. Perdíamos uma dádiva, um presente régio de Epitácio Pessoa, quando era Presidente da República. Não adiantaram os protestos, desde o mais singelo homem da roça de Cajazeiras, dos vereadores, do prefeito, dos sacerdotes, dos intelectuais e até do governador do Estado. Cajazeiras já não podia ouvir mais os apitos estridentes do trem, que lhe serviu durante 41 anos. Esta pequena ferrovia representou durante o seu período de existência, um dos sustentáculos do expressivo intercâmbio econômico das cidades sertanejas da Paraíba e outras inúmeras dos Estados vizinhos do Ceará e Rio Grande do Norte.

Sumiu nas curvas da estrada de ferro o velho trem, que soltava fumaça pelas ventas e gemia nas quebradas das serras do Sertão e ficava uma enorme certeza: deixava um rastro de bons serviços prestados ao povo pobre. Lamentavelmente, até José Américo de Almeida,  pediu e não foi atendido. Ninguém valia nada. Os generais da ditadura podiam tudo. Quando vamos começar outra luta para termos o nosso trem de volta?

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