Senhora Tempestade

As nuvens são infinitamente pessoais. Cada um constrói as que merece: as que estão carregadas d’água resumem o jogo de leões-do-céu. Eu os vejo sempre no aviso da chuvarada, como cavaleiros errantes numa treva fugaz.

Dormindo feliz, estava eu – entre travesseiros, lençóis e um sono aromatizado por uma neblina pacífica. Cheiro de terra, plantas e paredes molhadas.

A noite, sozinha, desvendava um segredo, do qual partilhava a Natureza. O Aracati, dono de brisas leves e mansas, soprava a própria luta dos leões. Era o sopro de uma neblina amedrontada pelos seus parentes chuvosos.

Enquanto eu dormia, o céu se agigantava e se pintava de um negrume tempestuoso. Ao azul escuro, juntavam-se cinzas e pinceladas de outro azul, que aparece apenas em ocasiões noturnas. No meu sonho, porém, eu absorvia o Sol, ainda brilhante: nenhum indício de chuva. Eu pensava se vestia algo comprido e amarelado para ir a uma festa num lago, mas, enquanto isso, no mundo real, poucas estrelas se escondiam debaixo de um tufão de nuvem negra e pesada de raios.

Aparecia para mim um lagarto enorme e falante e, perto dele, uma magricela ema, atiradora de flechas; nesse mesmo instante, o pedaço do céu que me cobria era agraciado com um clarão de tantos e quantos watts imagináveis. O relâmpago simbolizava a dissolução dos leões. Seguindo o fenômeno, um estrondo começava singelo como um atabaque indígena, mas era inflado de instrumentos maiores, conhecidos apenas pela Música Celeste. A percussão grandiosa rasgava o meu sonho instantaneamente. Despertei num susto desmanchador de festas e sonos em calmaria.

Em tempos de seca, eu deveria estar contente, mas durante o medo, era impossível atinar para isso. Os estouros menores também eram muitos, milhares, incontáveis: ao mesmo tempo gritavam, diziam a todos que estava ali a Senhora Tempestade.

Não lembrava de qualquer coisa do sonho, mas, depois, tive a impressão de que havia descoberto um tesouro. O trovão não me deixou contar as moedas nem as jóias. Lembro-me apenas de um diamante que guardei na memória.

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