O sangue da terra

Durante minha recente visita a Cajazeiras, recebi um nobre convite do Secretário de Cultura e Turismo do município, Ubiratan de Assis. Um presente, aliás. Um chamado para que eu realize uma exposição dos meus trabalhos artísticos. Não vou fazer segredo. A narrativa merece, então, ser registrada nesta coluna, contando com minha espera para que o evento seja materializado na próxima estada, nos meus sertões. Nada mais justo do que realizar a minha primeira aparição oficial nas artes plásticas, na cidade natal.

A exposição, entretanto, não desfruta de um tema específico. Reúne compreensões para além do que escrevo. Cada trabalho admite a palavra invisível, sugerida em outros labirintos, ultrapassando o formato escrito ou impresso. Não é o conjunto de caracteres, pois ganha outros contornos, ganha outros sabores. Dentro das telas, as letras vivem outra dimensão simbólica, adornadas com seus conflitos e suas bonitezas, mas, querendo dizer, querendo sempre expressar múltiplos significados.

Devo garantir, a princípio, que serão pinturas e colagens, com o máximo de abstracionismo, para que seja um jogo democrático. Mesmo sendo revelada pela abstração, a linguagem é traduzida em frases bem concretas. O que produz essa sensação também é a escolha do material. O papel sobre o papel causa uma sensação; a tinta acrílica sobre a tela causa outra. Se for mista, como mencionei na crônica anterior, provoca infinitas interpretações. Claro, darei título a todas elas, mas sabemos que titular é auxiliar na própria interpretação, ao proporcionarmos pistas, dados, hipóteses.

Muito existe de belo nisso tudo, a partir do movimento proporcionado pelo convite, e guardando o ineditismo para a abertura. Que lindo. Ubiratan, Bira, a quem eu, carinhosamente, chamo de Lampião, fez no teatro o papel do Rei do Cangaço, há algum tempo. Foi depois de uma determinada noite, após a peça, que eu o conheci. Fomos apresentados por uma integrante do elenco, minha amiga jornalista Daniele Huebra, carioca radicada em João Pessoa. Eu e Dani estudamos juntas algumas disciplinas na UFPB e nos tornamos da mesma trupe de andanças e diálogos.

Dani disse: por favor, Cris, vai ver nosso espetáculo; quero te apresentar ao teu conterrâneo, Bira. Fui. Gostei. Aplaudi. Ao final, cumprimentei a amiga e fui apresentada ao novo amigo. Confesso que nem sempre sou feliz ao reencontrar ou conhecer conterrâneos de Cajazeiras ou da Paraíba em lugares distantes da terrinha. Dia desses, conheci uma artista de Campina Grande. Depois da apresentação, cheguei ao lado dela: oi, conterrânea, sou de Cajazeiras. Nossa. Como a reação foi gélida. A moça deveria estar cansada da viagem, suponho.

Da campinense, segundo minha ingenuidade, eu esperava algo similar ao que Bira fez, ao pé das coxias do Teatro Ednaldo do Egypto, em Manaíra, naquela noite de sábado. Naquela noite, em que se falava, de forma lúdica, sobre coronéis e cangaceiros. Quando ouviu a palavra conterrânea, o intérprete de Virgulino soltou aquele estrondoso eita. Eita. Deu um pulo. Deu aquele abraço de gente que nasceu do mesmo sangue da terra sertaneja. Aquele abraço sincero e cúmplice das mesmas atmosferas de um açude misterioso. E coroou o bolo, mais de vinte anos depois, com a cereja da exposição. Lá vamos nós, com esse planeta abstrato que se apresenta para cada leitor. Cada um vai acessar sua própria caixinha de realidade.

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