O que desejo de Natal

Muito além dos apelos e seduções que a vida profana impõe ao Natal, transformado em momento de insignificantes trocas de presentes de estimulam vendas e aumentam lucros, de realização de ceias fartas que negligenciam a fome de milhões de pessoas que, em seus cotidianos, sobrevivem à margem das conquistas e benefícios que o desenvolvimento e o progresso produziram e produzem, existe ainda possibilidades de vivência do verdadeiro sentido do Natal.

Independente, mas, sobretudo, em razão da motivação religiosa, o Natal é um momento especial. Ele nos inspira esperança e nos estimula sonhos e perspectivas de outras formas de viver. Mas, principalmente, todo o mistério e encantamento que envolve o nascimento de uma criança cujas idéias e estilo de vida derrubaram impérios, representa um momento impar para que pensemos em atitudes e gestos que, no cotidiano de nossas vidas, cada vez mais aligeirada pelas exigências da modernidade e cada vez mais isolada nas ilhas tecnológicas e da informática, são esquecidos e negligenciados.

O sentimento do Natal deve nos proporcionar um momento para que pensemos quão frágeis tem sido nossos laços de solidariedade e amizade. Como, embrutecidos pela ganância do ter, nos tornamos insensíveis ao sofrimento e a solidão de milhões que padecem nas filas e nos leitos precários dos hospitais públicos, nos asilos e abrigos que, sobrevivendo da caridade, improvisam criatividades para dedicar um mínimo de afeto a quem a vida esqueceu e a quem famílias relegaram a solidão.

O Natal deve ser um momento para que alimentemos nossas convicções na humanidade e passemos a acreditar que a palavra do homem deve ser a medida de sua verdade. Dessa forma, dispensaremos provas, documentos e atestados e tornaremos nossas vidas mais simples e, consequentemente, mais felizes. Que os gestos sinceros de apertar a mão, de trocar um abraço e um carinho sejam sempre expressões de gentileza, cordialidade e civilidade. Que o beijo, historicamente associado a traição e  ao pecado, seja apenas uma troca de energias e sentimentos entre pessoas que partilham afetos e dividem desejos de felicidade.

Seriam esses desejos irrealizáveis? Seriam quimeras que se esvaem ao menor sobressalto do dia a dia que nos instiga e nos arremata para a competição, para a individualidade e o claustro de nossa aldeia global? Tudo depende da forma como encaramos a vida. Se a percebemos como uma arena onde, a cada instante, devemos eliminar nosso oponente, o Natal é simplesmente um momento para a artificialidade dos presentes e dos abraços ritualísticos. Mas, se alcançamos o sentimento do Natal como esperança e devir, certamente seremos capazes de produzir gestos e atitudes que nos signifique como humanos. Que nos valorize como seres que, pensantes, somos capazes de transpor a racionalidade e encantar o mundo na figura de um menino nascido pobre, mas enriquecido de sabedoria e ensinamentos.

Aos meus minguados, mas cativos leitores, esse é o meu sincero desejo de Natal

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