O Papa e o coveiro

Enquanto as atenções do mundo se voltam em enaltecimento e reconhecimento para os trabalhos de médicos, enfermeiros e equipes auxiliares na árdua e perigosa tarefa de socorrer e salvar vidas decorrentes da pandemia do Covid-19, o Papa Francisco lembra de identificarmos as tarefas igualmente trabalhosas e espinhosas dos coveiros.

Enquanto os médicos/enfermeiros e equipes regulam máquinas bombeadoras de sangue, de ar, e injetam seringas nos corpos de pacientes para salvá-los, os coveiros jogam pás de terras em caixões lacrados. É uma sina funesta essa simbologia de jogar pás de terras nos rostos de entes queridos enquanto antes são jogadas flores.

Tanto quanto o equilíbrio emocional dos médicos diante da morte de pacientes, acredito que os coveiros também têm. São profissionais em pontas opostas: salvar vidas e enterrá-las.

Só mesmo o Papa para nos chamar a atenção para importância do trabalho dos coveiros. Sabemos a data do Dia das Mães, o da Independência do Brasil, do Trabalhador, da Proclamação da República, da Mentira… mas duvido que alguém aí saiba o Dia do Coveiro. Nem mesmo o Papa.

Tenho lembrança, mesmo que esporádica, de um coveiro. É seu Cícero, que cuida dos túmulos de minha família aqui em Brasília. Minha mãe pagava-lhe a cada dois meses para zelá-los. E continuamos, os irmãos, pagando até hoje, pois demos continuidade a esse zelo de nossa mãe. A qualquer momento podemos chegar lá e está tudo bem cuidado, como minha mãe gostava. Só mesmo as pessoas de antigamente para cultivar essa prática.

O coveiro, assunto aliado à morte, é um assunto tabu, tanto que alguém pode até imaginar: “pô, Eduardo, isso é coisa para se falar nesse momento de números avassaladores de mortes por que passa o mundo! ”. Sim, estou falando porque o Papa, com as mãos de Deus sobre a cabeça do globo terrestre, inusitadamente via coveiros, nos alerta que o vírus, se não nos cuidarmos, pode nos fazer refém de pás de terra em nossos rostos.

Dá tristeza vendo duas a três pessoas, por motivo de proibição sanitária, indo presenciar o sepultamento de familiares vítimas de Covid-19.

Tenho na lembrança a longa cena dos coveiros lacrando o caixão de Tancredo Neves. As colheres de pedreiros alisando a argamassa do túmulo calmamente, ao cair da tarde, e as câmeras de TVs filmando em rede nacional tudo aquilo pacientemente.

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