O néctar da Feirinha

Artista sofre ao nascer. Fica sabendo, no primeiro ato de respiração, que está sob a luz misteriosa. Porque vida é o trem do mistério. E para o artista, é mistério duplo: criar vivendo. A mãe chama alguém que, antes, havia pedido para nascer. Porque artista, minha gente, pede para nascer. Ele diz que quer fazer da vida uma constante paisagem que vai se modificando com os seus desejos de herói. Ser herói porque há que ser mais forte do que a falta de incentivo, do que a falta de espaço, do que a falta de dinheiro, do que a falta de amor.

Ao crescer, artista sofre ainda mais: é como uma flor que se perfuma para que abelhas retirem o seu néctar. E néctar de artista é tinta, lápis, melodia, barro, palco, personagem. Crescendo, as suas forças vão se nectarizando também, exalando suas medidas e suas essências, para que o trabalho da criação seja envolto de cuidado. Tudo não passará de um doce trajeto de vontades e sussurros secretos. O público quer participar dessa manifestação através do olhar – olhos que olham, na verdade, por todos os sentidos. Sem gente para olhar, o artista continua crescendo, mas retardando a chegada das abelhas.

O público precisa de néctar e precisa chegar ao artista. É por isso que lembro, nessas horas, da Feirinha de Artesanato das Oiticicas. Não sou artista, mas trabalho com criação. E o que seria se eu escrevesse apenas para mim? Quase um desastre. Preciso dos zumbidos de vocês. E fico pensando em mil pessoas na cidade que vivem produzindo alguma coisa, mas não têm espaço. A família e os vizinhos são o único público. A cidade nem sonha.

O artista, na sua trajetória de crescimento, necessita de um lugar para que seu trabalho seja olhado, sentido, revivido; a partir disso, crescer, para ele, vai representar um sofrimento saudável e até colorido. Na Feirinha, avaliávamos, como público abelhudo, o que silenciosamente se produzia na região. Escultores construíam, com suas lâminas ou mãos-de-aço, o que imaginavam: cidades, pessoas, bichos. Artesãos do couro, da lã, da agulha e da linha faziam festa para pequenos e grandes. Pintores soltavam as asas com azuis, amarelos, vermelhos e outras bondades da Natureza. De vez em quando, a banda da Prefeitura enchia a rua de acordes conhecidos ou a Banda Cabaçal soprava um regional inteiramente nosso, só nosso. Eram artistas que exibiam e artistas que viam. Cada um com a sua leitura, cada um com a sua flor – com ou sem perfume, mas sempre com um olhar nectável, em busca de reciprocidade.

Não sei se artista sofre ao envelhecer porque, talvez, envelhecer seja a sua obra em estado de graça. E, ao morrer, fica a dúvida: assim como no nascimento, talvez ele peça para morrer também. Talvez diga: “Preciso que me lembrem devagarinho. Preciso de uma esperança dimensionada em outros jardins.” Enquanto isso, seria agradável acompanhar os que ainda estão crescendo. Seríamos provadores dos néctares de hoje – quais são? onde estão? Eles se escondem porque faltam jardins. Pois flores não nascem sem o adubo da coragem. E duvido que elas vinguem nos canteiros da indiferença.

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