O cenário da fome no Brasil

Não há como passar desapercebido o cenário de fome que se amplia no Brasil da atualidade. Mais da metade da população está em circunstância de insegurança alimentar. Alguns dirão que esse é um problema vivido no mundo inteiro, em razão dos impactos sócio-econômicos da pandemia da Covid-19. Porém, em nosso país o quadro é de muito maior gravidade. Afinal de contas o aumento da pobreza e a falta de comida no prato já eram observados antes mesmo da crise sanitária. Em 2018 registrava-se que 36,7 % dos brasileiros não tinha acesso pleno e permanente ao alimento básico.

Sabemos que a pandemia agravou o quadro, mas não pode ser considerada como causa primeira dessa dramática situação. Alguns outros fatores já concorriam para que a comida começasse a faltar na mesa dos brasileiros no período que antecedia a pandemia: o crescente desemprego, a precarização do trabalho com baixa remuneração e o desmonte das políticas públicas de inclusão social. Segundo o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais FGV Social, “a pandemia tem sido apenas uma etapa nesse processo”.

Em 2018 o Brasil voltou a ser incluído no Mapa da Fome da ONU. É inconcebível que, ao tempo em que a produção brasileira de alimentos esteja aumentando, falte comida no prato de boa parte dos nossos compatriotas. Estamos reféns da lógica de que a produção do campo fique subordinada aos interesses do agronegócio. Enquanto o PIB do agronegócio expande, acentuam-se os índices do desemprego e da fome.

O que vemos é a adoção de políticas públicas improvisadas e emergenciais, pautadas no oportunismo eleitoral. A fome traz como consequências, problemas de saúde que se transformam em mazelas sociais e econômicas, em grau de irrreversibilidade. As crianças são as principais vítimas da insegurança alimentar, causando desnutrição crônica. A bolha da pobreza extrema só faz aumentar.

É preocupante a tendência de alta dos preços da cesta básica de alimentos. As previsões pouco animadoras para a inflação e o desemprego, nos colocam numa perspectiva desalentadora quanto a diminuição desse alarmante problema que estamos experimentando. A solução passa, necessariamente, por uma mudança do modelo econômico, recolocando o Estado como protagonista de políticas públicas voltadas para o combate às desigualdades sociais. Políticas públicas no campo da alimentação e da geração de emprego e renda. O Brasil bem alimentado insiste em não enxergar e enfrentar a crise alimentar sofrida por 43,3 % dos brasileiros que vivem com menos de um salário mínimo ao mês.

Precisamos, todos nós, governos, empresários e a sociedade civil organizada, enfrentar o desafio de olhar para a fome com o mesmo propósito de combatê-la como foi no período de 2004 a 2013. Temos que conter a aceleração da insegurança alimentar. A fome tem gênero, cor e grau de escolaridade. Ela se concentra nos domicílios chefiados por mulheres, de pessoas negras e de baixa escolaridade. No entanto, ela também está se alastrando entre os que não se encontram em condição de pobreza. A escalada da fome, indiscutivelmente, é também resultante de escolhas políticas de negação e da ausência de medidas efetivas de proteção social.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Delicada, eu?

Na solenidade de posse dos dirigentes de um determinado órgão uma fala se repete, me entranha os ouvidos…
CLIQUE E LEIA

Entre flashes e sensatez

O desenvolvimento da tecnologia, sobretudo, da informática e da robótica, vem produzindo, nas últimas décadas, uma verdadeira revolução…
Total
0
Share