Entre flashes e sensatez

O desenvolvimento da tecnologia, sobretudo, da informática e da robótica, vem produzindo, nas últimas décadas, uma verdadeira revolução de costumes movida pela democratização de engenhos antes inacessíveis a grande maioria da população. Dois desses engenhos se espalham como fogo em rastilho e causam significativas mudanças em nossas vidas. Mudanças que oscilam entre a beleza do registro de eventos importantes ou a aproximação entre distâncias antes inacessíveis e os hábitos que interferem em nossas vidas e invadem nossos cotidianos impondo situações alheias ao nosso interesse ou interpondo-se no nosso campo de visão e obstruindo a assistência de determinados eventos e fatos que nos interessam.

Um desses engenhos é o telefone celular, cujos abusos e excessos no uso já tematizei em momentos recentes. Outra invenção da modernidade democratizada com o avanço da tecnologia digital são as câmaras fotográficas. Com seus custos reduzidos pela produção em massa, sobretudo, com a pulverização da produção chinesa, elas se espalham e estão nas mãos de todos. Saudada como um importante apetrecho para o registro de momentos importantes em nossas vidas, elas estão disparando seus flashes em todos os eventos e, em muitos momentos, levando os improvisados fotógrafos a situações que beiram o ridículo, o mau gosto e a deselegância social. Em casamentos, batizados, festinhas de escolas, formaturas e, até mesmo, velórios e enterros, os afoitos fotógrafos se amontoam em torno do alvo e, em busca do melhor ângulo, esquecem da assistência que tem sua visão empanada pela turba.

Em não raros momentos os nossos improvisados fotógrafos atropelam pessoas, atrapalham celebrações, interrompem rituais. Não lhes interessa a importância da cerimônia e, muito menos, a relevância do homenageado, mas somente o melhor enquadramento. E todos nós temos episódios envolvendo essas situações. Recentemente, ao assistir a uma celebração religiosa de encerramento do mês de maio me deparo com quadros bizarros e grotescos. Mães, tias, primas e parentes dos “anjos” que encenariam a coroação de Nossa Senhora se avolumavam em torno do altar com suas câmaras digitais em punho, tomando todo o espaço e turvando o campo de visão de quem apenas desejava ver a solenidade religiosa. Em muitos momentos, até mesmo a imagem da santa se esvaecia entre os clarões dos engenhos tecnológicos e os cânticos e hinos eram suplantados pelas ordens de quem reclamava a melhor pose, de que cobrava o melhor enquadramento, de quem exigia a melhor performance de seus modelos.

Nada contra a democratização do acesso a tecnologia. Mas, um pouco de bom senso no uso dos engenhos tecnológicos é uma prática recomendada pelo trato decente nas relações sociais. Falar ao celular ou fazer o registro fotográfico de um evento deve ser direitos assegurados a todos, como a todos deve ser garantida a possibilidade de não ter o desconforto de ser menos importante que uma mera câmara fotográfica.

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