Saudades dos botecos

Na última sexta-feira à noite, quando fui beber minha tradicional cervejinha, em casa, e ouvi o splóft da garrafa sendo aberta, minha cabeça foi assaltada por imagens e sentimentos da última vez que estive com amigos num happy hour.

É verdade que a quarentena nos mata de saudades. De encontros familiares (oxente, Toinho desapareceu mesmo?); restaurantes (aquela visão postal do Dom Durica à beira do Lago, heim!), Livraria Cultura (com risco de morrer e não mais matar ignorâncias); caminhar pelas ruas (tudo bem, doutor? Bem uma ova. Esse governo me mata de raiva!); andar de bicicleta no Jardim Botânico (o ministro Ricardo Sales deveria ir lá desvirginar as narinas com oxigênio puro); de viajar (quantas vezes o cartão divide para João Pessoa, Juazeiro do Norte, São Paulo, Vitória, Lisboa e Londres?). Mas a nostalgia dos botecos com os amigos, aí sim, essa é de lascar o cano.

Lá se vão três meses sem botar os pés – também as mãos, o corpo e a alma – na porta de um boteco. Meu deus do céu, tudo isso? Não, não é possível! Sempre ando na cabeça com a frase que todo mundo gosta de falar: “vai passar! ”. Mas quando lembro a eternidade da ausência de tilintar de copos, da frase “desce mais uma!”, o vozerio cruzado de espontaneidades em botecos, penso que esse “vai passar” não passa de uma enganação, de um conluio de forças conspiratórias contra os frequentadores de bares.

No zap sinto a angústia de amigos em telegráficas frases informais de mesa de bar: porra, cara, quanto tempo vai durar isso!; Bicho, vamos botar pra efe quando a gente se encontrar; caraca, meu, será que nossos botecos vão quebrar? (tóc, tóc, tóc); mermão, beber em casa é legal, mas no boteco é outra história…

Chega de O Que Está Havendo, chega de Livrodecaras, chega de 280 caracteres. Isso tudo é falatório à distância, conversas sincopadas. Quero falar mais do que o homem da cobra. Chega de artificialidades verbais online. Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões.

A angústia de ver tanta gente morrendo por causa do vírus, por desleixo de políticas públicas, e a angústia de saber que poderemos ser o próximo por causa de um simples descuido, só nos resta obedecermos às regras de distanciamento e adiarmos nossos encontros botecais só deus sabe para quando.

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