O casarão da Rua Padre Rolim nº 1 e suas estórias

Quando eu era um estudante universitário em Recife, e estudava na Cidade Universitária no bairro do Engenho do Meio, eu arranjei uma colega namorada. E quando a gente ia para o Restaurante universitário, tinha um local se prestava como uma luva para a gente dar nossos amassos (sexo, naquele tempo nem em sonho). O local, um pouco distante da trilha que nos levava da Faculdade de Engenharia ao restaurante era bem peculiar: no meio do capinzal, entre algumas árvores, aparecia uma estátua num pedestal muito grande, bem no meio do mato. Ali também apareciam discretamente os (poucos) aficionados do consumo de canabis.

Então, eu durante as “visitas” a esse monumento, fui prestando atenção às inscrições que continha o pedestal, e estava: “Local onde se situava a casa sede do engenho de João Fernandes Vieira,  o Governador da Liberdade”. Pronto; ali onde a gente fazia nossas curtições, era a casa do cidadão que comandou a expulsão dos holandeses do Brasil, sitio histórico importantíssimo para todo o país, escondido num matagal. Espero que os pernambucanos já tenham dado o devido destaque a esse sítio, mas e a casa? Se ao invés desse monumento de pequenas proporções estivesse de pé, a coisa seria outra. Foi lá onde eu criei a minha primeira frase de efeito:“Recife, ou a promiscuidade da história”.

Mas chega de digressão, e vamos ao tema que realmente interessa. Na nossa cidade, por vários motivos, que já escrevi várias vezes sobre ele, conta com muitos exemplos de imóveis que tiveram o mesmo destino da casa de Fernandes Vieira, o tombamento sem incentivo, o desinteresse do povo pelo que é velho, como se fosse descartável, e por aí vai. Existam exceções, mas a demolição da casa de Otacílio Jurema, da de Vicente e Bosco Barreto, o antigo Edifício OK, do cine Éden, já caíram ou estão prestes a desaparecer de nossa história. Aqui nós necessitamos e com urgência de ações concretas e de uma política que preserve esses e outros monumentos.

Fora exceções notáveis, como a casa do Comandante Vital e mais recentemente a de Amélio Estrela, o abandono e o descumprimento da esdrúxula lei do patrimônio histórico, é a tônica dos procedimentos da gente. Pois nem todo mundo que tem um imóvel de significação histórica, dispõe de recursos, tanto materiais quanto de compromisso com nossa história, então o irracional impera.

Venho citar o exemplo que mais me salta aos olhos: A última casa construída por Mãe Aninha, e que tem um endereço único: Rua Padre Rolim número 01, que de tanto tempo ao abandono já está caindo seu reboco, e se a gente não tomar providências, fazer um movimento que desperte nossa comunidade para a perda que podemos sofrer, uma parte irreparável de nossa história irá desabar.

Não que a edilidade seja cega e surda para tais movimentos. O secretário Chagas Amaro recentemente me falou acerca de que o empresário João Claudino assegurou que vai financiar a reforma do Casarão de Epifânio Sobreira, junto à quadra do Leblon; menos mal, atitudes como essa devem ser louvadas e encorajadas; e requerem que se solicite, e que o solicitado confie que os recursos serão efetivamente aplicados no prédio. Quem quer que veja televisão, sabe o que se costuma fazer com dinheiro alheio… Mas fica o registro e o reconhecimento. Casarão, Major Epifânio Sobreira, e sua descendência fazem e muito por merecer, além de passar por nossa história a famosa troca de tiros com os cangaceiros em 1926.

Quanto ao casarão do começo da Rua padre Rolim, esse realmente tem história. Construído por nossa matriarca para servir como uma espécie de casa paroquial para os primeiros vigários de nossa Matriz, como Pe. José Tomaz, somente para dar um exemplo, foi palco de muitas mais histórias e estórias.

Esse vetusto casarão, construído na melhor técnica do norte de Portugal, trazida ao nosso país por nossos ancestrais, tem aquelas cumeeiras altíssimas, Que entre outras coisas, serviam para dissipar por entre as enormes telhas de barro, o calor que era gerado no interior de nossas casas, minorando a sensação térmica, que quando se forravam essas casas, elas como que viravam um forno, pois o calor que entra e é gerado por gente, fogões bichos, etc, esbarram no forro e não são dissipados nas telhas. Hoje se colocam aparelhos de refrigeração.

Mas voltando às origens de tal imóvel. Segundo eu soube desde menino, dos antigos habitantes dessa casa, que eu morava (e moro) nas proximidades, na minha infância era a bodega (venda) de Seu Zuca Ludgero, onde eu fazia as primeiras compras, brocha, traque uns brinquedos bobos chamados rói-rói, etc. e já sob o comando de Heleno Alves, o Joaquim da Bodega, eu inaugurei minha carreira na confraria dos etílicos, ou seja tomei lá meu primeiro porre (a cachaça era Serra Grande). Foi o que o pessoal do Pasquim chamava: um porre homérico.

Mas vamos continuar nosso relato. Naquele casarão moravam além de Dona Julia (Mãe Julia, como a chamava Lucinha), D Irene, Reginaldo e seus filhos, Lúcia Rolim e seus irmãos, Ronaldo, Lavoisier (Ziê), a hoje famosa Lena Guimarães e Leda sua irmã mais nova, que foram nossos primeiros amigos da primeira infância; o irmão mais novo e mais famoso, Dr. Leonardo Rolim, ainda não tinha nascido, pois só veio a nascer quando Reginaldo e D. Irene se mudaram para Araripina–Pe.

Existe ainda uma história trágica de certa forma ligado a essa casa centenária: lá residiu uma das pessoas mais inteligentes que já conheci o Dr. Leonardo Rolim, filho de D. Julia, médico, que chegou nos tempos do governo de João Agripino, a atuar nos altos escalões de nosso Estado, se não me falha a memória era subsecretário de saúde, e se envolveu com uma moça, e veio a engravida-la na Capital, o pai dela, então foi tomar satisfações, e ele de posse de uma arma, atirou e veio a atingir sua namorada grávida, matando mãe e filho, o que naturalmente o deixou arrasado, e ele foi para São Paulo onde fez vários cursos, vindo depois a residir em Cajazeiras, com sua mãe, foi secretário de Saúde do Município, e era um dos maiores médicos e o melhor dermatologista da região, além de outras especialidades. Quando do falecimento de sua mãe, e depois a transferência de sua irmã Têca para o Crato, numa noite de Natal, esse veio a cometer suicídio naquela casa, numa morte que a gente mais próxima muito sentimos.

Agora o que vemos é um casarão por onde passa nossa história, que tombado pelo Patrimônio histórico, fica ameaçada de tombar pela lei da gravidade. Em vários pontos, o reboco já está caindo, isso o que a gente vê por fora, internamente, não me é permitido avaliar a condição desse.

Assim, e pelo que relatei, na minha opinião aquele imóvel, tanto pela sua história, como pala sua localização, merece um destino menos funesto do que o que acometeu a casa de Dr. Otacílio Jurema, bem como a casa de Vicente Barreto, que foram tombadas fisicamente e não existem mais.

Fica a sugestão para um movimento preservacionista. Seria um local que devia e deve ter outro destino. Se todos nós se unirmos quanto a esse e outros patrimônios, podemos preserva-los e preservando a história, se preserva também  a alma da cidade.

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