Desamor livre

VALIOMAR ROLIM

A Serra da Arara era uma das melhores fazendas das redondezas. Seu Augusto, o proprietário, era tido como um pai para moradores, agregados e vizinhos, só não agüentava resmungo, serviço mal feito e desrespeito.

Todos os trabalhadores da área festejavam quando eram chamados para lá trabalhar, era certeza de comida farta e pagamento justo. Sem falar que, aos que lá trabalhassem, fossem vizinhos ou agregados, o velho Augusto socorria na doença, ajudava na seca, mediava nas questões e até promovia os conhecidos casamentos reparadores.

Esse código de comportamento proporcionou ao velho fazendeiro fama e respeito que romperam os limites da região norte do município de Cajazeiras e até do município, proprietários rurais de toda a região conheciam-no e respeitavam-no.

Nas festas da padroeira da cidade sempre era um dos patronos da noite dos fazendeiros, tinha uma cadeira personalizada com seu nome e de sua Aninha na catedral e contava sempre entre os convivas nas festas em sua casa o bispo Dom Zacarias ou seu grande amigo Mons. Vicente de Freitas.

Com a proximidade da moagem da cana-de-açúcar urgia que fossem refeitas as cercas do limite sul de sua propriedade, exatamente no cume da Serra da Arara, que dava nome à fazenda. Era um serviço grande, vários quilômetros de cerca no sistema de esteira, em que se trançam varas em estacas perfiladas do solo até a altura próxima de uma braça.

Dos trabalhadores convocados destacavam-se Cezário e Chico Pedro, famosos pela habilidade naquele mister. Eram os amarelos típicos dos sertões nordestinos. Sem uma grama de gordura, franzinos mas com uma musculatura rala e firme. Neles Augusto confiava e, por isso mesmo, cobrava mais.

Já na metade da empreitada, no dia seguinte a uma carraspana a que os dois não enjeitavam, surpreendeu, justamente no trecho de cerca feito pela dupla, um desalinhamento inadmissível. Foi desencadeada toda sua ira. Logo os dois melhores? De sua maior confiança? Foi uma tempestade. Disse os maiores impropérios que conhecia. Invocou todos os seiscentos mil diabos de que ouvira falar e só parou de reclamar quando estava exaurido em suas forças.

Explosão grande mesmo foi quando, após o terceiro dia que viu os dois passar, defronte da sua casa, em direção ao trabalho, sem ao menos cumprimentá-lo, perguntou o que estava acontecendo para eles passar no seu terreiro e não lhe dar nem as horas. Ao ouvir a resposta de que depois do que dissera os dois ficaram intrigados com ele explodiu: “por acaso lhes dei cabimento para ter raiva de mim?”

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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