O Carnaval dos Fenianos

ANTONIO GUIMARÃES MOREIRA

“Viva Zépereira, viva Zépereira, viva Zépereira no dia de carnaval. Olha a casaca do homem, olha a casaca do homem – quá, quá, quá…”

São recordações que bailam como fantasmas na minha imaginação, de um tempo vivido, de uma página virada, que é história de Cajazeiras. E sendo história folclórica, pertence a esta terra onde nasci e onde meus pais chegaram como filhos adotivos e se integraram na comunidade social.

E a história do carnaval, das folganças inocentes, do reboliço, da alegria citadina, no burgo sertanejo que para mim era o centro do mundo. O meu mundo era o “bombo” de Zécaraôlho, como uma trombeta ecoando em toda pequena cidade, chamando os foliões para os festejos de Zépereira (não se falava em Momo).

Eram os ensaios do Professor José dos Anjos, esse mago da cultura matuta. O homem que era telegrafista, conhecia a língua pátria, ensinava línguas estrangeiras, era compositor e regente ao mesmo tempo. Tinha a cor do azeviche, herança das migrações negreiras, a alma de um taumaturgo e as maneiras de um fidalgo. O homem dos sete instrumentos, de temperamento extrovertido, a quem Cajazeiras ficou muito a dever, uma espécie de maracá indígena, sem o qual era impossível se fazer festa.

Chegava a maior festa profana, onde o clube dos Fenianos, dirigido e orientado pelo Professor José dos Anjos (toda a cidade o conhecia por Professor), devia sair pelas ruas, bailando de casa em casa, nos três dias festivos, entoando as canções de uma beleza evocativa, somente comparável às festas pagãs, em que o divertimento era organizado pelo amor a vida, amor a arte de divertir-se, no sentido humanístico grego.

Parodiando Casimiro de Abreu eu diria “naquela época o carnaval era risonho e franco”, era uma festa de todo o povo, que se confundia no mesmo ambiente de alegria e prazer, sem a sensualidade e excitação dos sentidos, tão comum nos centros brasileiros. Era o Chico Barreto, na sua indumentária de cetim multicor, segurando bem alto a bandeira dos Fenianos. Eram as duas alas, uma das quais eu me lembro bem, conduzida por Abílio, serpenteando pelas ruas e cantando as canções compostas pelo Professor dos Anjos. Não se falava no wiskhy americanizado, era a cerveja, o quinado, o conhaque, a cachaça do Carrancudo, acelerando os risos e animando a brincadeira. Era o carnaval dos Fenianos. “Os Fenianos quando saem a rua…” É somente o que me resta dos antigos versos, lembrança enfumaçada de um passado distante.

Antonio Guimarães Moreira é cajazeirense e registrou suas memórias em crônicas do cotidiano. Estes apontamentos fazem parte do acervo do historiador cajazeirense Deusdedit Leitão.

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