Ana Júlia

O Carnaval conheceu uma menina que não conheceu o Carnaval. Daí, ela foi impulsiva, ao lado de meninas menos atraentes para a praça: Maria Joaquina de Amaral Pereira Góes, Milla, Neném, Sara, Claudete, Sandrinha, Cristina.

Ela foi construída, essencialmente rock’n’roll. Los Hermanos, seus criadores, inventaram de açoitá-la ao extremo, usando a pobre menininha de terminologia fácil, com uma melodia bondosamente fácil, com um refrão preguiçoso e fácil. Ana é uma garota fácil. Ela foi a sofredora, por não haver se igualado a tantas e muitas rainhas do cenário musical.

Ana Júlia é louca, estranha, ambígua. Mesmo de todos, é passageira. Jamais será comparada às  senhoras majestosas da Música Popular Brasileira, a não ser que sorva o caldo da caridade cultural.

Ana é mundana, mas não é mulher. Falta isso mesmo: ser mulher na música. Amélia é que é a mulher de verdade. Dora é a rainha do frevo e do maracatu. Carolina é a moça da janela, que não vê o que se passa, ou a forrozeira, que guarda um cheiro arrebatador. Lígia, a que produz a doença de amor, vendida em frases fingidas: “eu nunca sonhei com você, nunca fui ao cinema, não gosto de samba…”.

Falta ser Luíza, a que abriga um raio de sol nos cabelos, ainda como um brilhante partindo em sete cores. Emília, a que se diverte com o sofrimento do homem. Teresa, a que dança sempre um tango de Gardel, alimentado em sonho, somente para ela. Marina, tão morena, linda e proibida de se pintar. Dolores Sierra, abandonada no cais, em busca de uns trocados. Rosa, que anda toda prosa, com uma rosa no cabelo, ou a láctea estrela, mãe da realeza. Chiquita Bacana, com sua moda de casca de banana nanica. Aurora, com sua deslealdade singular, sua beleza em não ser sincera. Doralice, avisada sobre os perigos do casamento. Sebastiana, a comadre de Jackson do Pandeiro, que aceitou o convite para dançar um xaxado na Paraíba. Ive Brussel, que acabou conquistando o cantor. Rita, a rita que levou tudo, tudo com ela, e deixou mudo um violão. Madalena, que se mantém impecável, ao ouvir tantas juras, inclusive que o amor existe “forte ou fraco, alegre ou triste”.

Não há como esquecer Aline, que fez alguém chorar o mar inteiro. Não há como esquecer Luciana, tão pueril, e Cândida, que também fez o autor dizer que já havia feito de tudo na vida. E Ana, a verdadeira Ana, que ouviu, do Rei, tantas promessas de saudades.

O eterno na canção é auxiliado pela mídia, mas necessita de riqueza, de dificuldades sonoras, de um sentido um pouco tortuoso, para emocionar realmente.

Ana Júlia se diz rock, mas nem conhece ou foi influenciada por suas possíveis companheiras. Ela não sabe quem é Alice, obrigada a não escrever aquela carta. Não sabe quem é Mônica, tão diferente de  Eduardo: “ela fazia medicina e falava alemão e ele ainda nas aulinhas de inglês”. Ela não conhece Sílvia, que foi abusada pela letra e chamada de…. de… e de…. Ela não encontrou Joana d’Arc, que foi morta ninguém sabe por quem. Ela não se importa com outra Ana, com os lábios de labirinto. Ela não sabe quem é Maria Lúcia, aventureira no faroeste caboclo. Ela não se aproxima de Camila, que não suporta os próprios  olhos insanos. Ela não conhece as três: Beth que morreu violentada, Beth Balanço, com sua fama perigosa, e Beth Frígida, que nunca consegue relaxar. Ela não ouviu falar em Zoraide, a chata incondicional, ou em Lena, que abusou da sorte ao mergulhar na vida. Vamos lembrar também as mulheres estrangeiras: Yollanda, Angie, Carol, Diana, Billie Jean.

Ô Ana Júlia, é preciso ser mais mulher para ser emblemática, para ser música, enfim.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Refresco

CÍCERO EM CAJAZEIRAS O Secretário Estadual de Planejamento e Gestão Cícero Lucena esteve em Cajazeiras para expor as…
Total
0
Share