O autoritarismo democrático

Sempre se falou que a democracia, apesar de todas suas mazelas, sempre foi o menos maligno dos regimes, por oferecer à população uma forma de, periodicamente, apear do poder os maus governantes. Esse tipo de pensamento é largamente difundido, tanto por sérios pensadores, quanto pela mídia.

Temos que reconhecer que faz bastante sentido esta linha de pensamento, mas… existem, ao longo da história, especialmente a recente, muitos exemplos de que se pode causar muitos malefícios a um povo, mesmo tendo o “salutar” respaldo das urnas. A ascensão de Hitler na Alemanha é o mais ilustrativo exemplo, mas sempre se pode contra-argumentar que aquele país atravessou um período completamente anômalo, tendo saído de uma derrota na Primeira Guerra e atravessado um surto inflacionário quase sem paralelos na história – o que deu a oportunidade de os alemães apelarem para um oportunista messiânico de plantão. E deu no que deu.

Também na Inglaterra da época, os gastos com o reaparelhamento militar da Grã-Bretanha, feitos principalmente por Winston Churchill, não gozavam do apoio popular. Esse fato foi o que salvou o país da derrota na Segunda Guerra.

Mas, o que essas elucubrações sobre situações passadas e distantes têm a ver com nosso cotidiano tupiniquim? Tudo. Nosso país atravessou um prolongado regime autoritário, e existem pessoas, inclusive formadores de opinião, achando que antigamente era pior, que havia a censura, a tortura, etc. É verdade, e não podemos disso nos esquecer, mas nos dias de hoje, vivemos um período tão ou mais autoritário que na repressão mais sombria já atravessada pela nação verde e amarela.

Vou dar mais um exemplo histórico. Durante o absolutismo de Luiz IV, o Rei Sol, na França, para constituir um forte exército para seus delírios de poder, ele pessoalmente atravessou todo o país, aldeia por aldeia, exortando os franceses a alistarem-se, e conseguiu reunir um portentoso exército de cento e cinqüenta mil, ou pouco mais de soldados, que lutaram em suas guerras de fronteira. Mas depois da Revolução Francesa, a democracia recém-instalada promulgou o alistamento compulsório e Napoleão assolou toda a Europa com um formidável exército de milhões de franceses, que no final foram convocados os homens válidos de até os quinze anos.

Mas voltando ao Brasil, o que está ocorrendo com nossa democracia? Será que ela barrou o autoritarismo? Não. Hoje se praticam coisas que deixariam estonteados de inveja até o mais sinistro torturador da repressão. Vamos ver… Se um Médici ou um Geisel, os mais poderosos chefes daquele período, ousassem vender estatais como a Telebrás ou a Eletrobrás, o que aconteceria? Com certeza, seriam depostos pela ala nacionalista verde-oliva. Nosso democrático e intelectual mandatário não só vendeu, como financiou parte da venda, inclusive a estrangeiros e, não satisfeito, ainda empregou os recursos captados para pagar os juros da dívida externa.

Ora, se eu vendesse meu carro para pagar juros a algum agiota sem liquidar a conta, minha família certamente pediria minha interdição e provavelmente me internaria num manicômio. Mas na nossa refinada sociedade pluralista e democrática se fez e mais vai se fazer, provavelmente da mesma forma, e ninguém, nem um burocrata sequer, perde seu emprego. Não que eu deseje a volta da repressão ou seja a favor do estado-empresário. Pelo contrário. O dinheiro aplicado, e de qualquer maneira, seja por impostos, empréstimos ou de outra forma qualquer, saiu da população brasileira, e estes recursos das vendas, ao invés de servirem para financiar outras áreas carentes de recursos (e como existem…) saem como a montanha de ferro da cidade de Carlos Drumond de Andrade, e fogem do país rumo a lugares ignotos, caindo finalmente nas mãos da agiotagem internacional.

É duro, triste e frustrante que não se veja o menor sinal de indignação de nossa população frente a tais desvarios. Ela parece mesmo interessada na comédia corrupto-denunciante  promovida pelo casal Pitta, peixe menor, ma non troppo. Pode até estar havendo um começo de conscientização, mas, na realidade, esta deve ser apenas mais uma manobra diversionária dos políticos que, como as lagartixas, há milhões de anos aprenderam a entregar o rabo aos predadores mais vorazes.

Não.Nossa democracia necessita com urgência é de controles muito mais eficazes que essas agências (Anatel, etc.), criadas não se sabe bem como, nem como os seus membros foram eleitos, nem por indicação de quem, nem quem os fiscaliza, mas órgãos realmente eficazes e realmente imunes de pressões, sejam elas de ordem financeira, ou de ordem corporativa, para que sejam resguardados como merecem os nossos ativos financeiros, tão importantes quanto nosso território, para que tenhamos poder para decidir, como nação soberana, de que forma e aonde deveremos orientar nosso desenvolvimento. Senão, quando acordarmos, a Amazônia, por exemplo, estará sendo habitada por chineses ou hindus.

Pode parecer meio apocalíptico, mas o que pode uma nação cada vez mais dependente de capitais internacionais? A forma mais comum de se chegar ao inferno é descendo de degrau em degrau, e já começamos, democraticamente, a descida.

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