Minha triste história com os dentistas

Eu tinha cinco anos de idade e nem bem fazia a primeira série do antigo primeiro grau. Eu usava uma franja e adorava um vestidinho vermelho com uma espécie de casaco. Neste período, de ser a chefe das brincadeiras de casinha, vivi algumas cenas patéticas, outras hilárias e outras horripilantes. Conheci a família predatória dos dentistas.

Certa vez, nestes mesmos cinco anos de vestidinho e chefia de casinhas, acompanhei minha mãe e Christiano numa ida ao dentista. Deus do céu, que suplício para o meu irmão que, neste tempo, adorava liderar times de futebol de botão e inventava de ser Zorro.

O consultório era do doutor Carlos Henrique Leite, em frente ao Banco do Brasil. Christiano tinha uma porção de obturações para serem feitas, e entrou. Minha mãe disse: “Fique bem quietinha que a gente volta já.” Fiquei. Acontece que o meu trauma dentístico vem daí.

Primeiro, o consultório era uma casa meio antiga e tinha uns azulejos cinzas nas paredes. Aquilo já me dava uma impressão de casa mal-assombrada, de fantasmas, de seres espaciais vestidos de branco e predadores, com o sistema de predação começando pelos dentes. Que horror. Quando Christiano, então, se esgoelava, chamava umas palavras feias com o doutor e saía murcho como um maracujá, eu ficava apavorada: “Meu dia está chegando”.

E chegou, claro. O primeiro trauma foi, exatamente, a primeira vez, com uma dentista chamada Fátima, que atendia pelo Ipep. Ela nem mora mais aqui. O pior é que a expressão dela era menos agressiva e pior ainda por ser sutil e com uma delicadeza fria. “Olha só, ela não chorou nenhuma vez.” Piada.

Fiquei com esse maldito choro engasgado durante vários anos, me fazendo de forte, quando tive que fazer uma visita a uma dentista da cidade, que ainda está atuando por aqui. Ela passava horas conversando durante a consulta, dizia umas brincadeiras e me elogiava, falando que eu era obediente e não mexia em nada. Mas a estufa, na minha cabeça, parecia uma máquina de congelar seres vivos para a realização de testes perigosos com super-vitaminas, depois de uma sessão de fotos e radiografias com aquele bicho que parece um copo.

Ela disse que eu tinha dois dentes “de leite” e que precisavam ser urgentemente extraídos, do contrário eu ficaria com a boca horrorosa. Eu já estava com uns 11 anos. Pensei: uma situação era minha mãe arrancar meus dentes de leite, naquele processo mecânico e depois supersticioso, quando o material morto era jogado em cima da casa. “Troque meu dentre podre e me dê um são”, era isso, mais ou menos, e ainda tinha um santo protetor. Mas outra situação era meus dois dentes inferiores serem arrancados com uma arma branca.

Fui lá. Fiz força para não chorar, mas o choro foi saindo lentamente pelos cantos do olho e até hoje, intimamente, quando eu me lembro que os dentes seriam permanentes. Lá se foram meus pobres dentinhos que vão me fazer a maior falta no futuro, e vítimas de um erro médico.

Fiquei na minha. Lá em João Pessoa, eu já estava perto dos 19, quando conheci uma doutora chamada Marise, que atende pela Fundação José Américo. Ela nem existe, de tão mágica. Tem uma voz linda, de aeromoça, tem um cheiro que se superpõe ao cheiro da massinha da obturação, tem uma técnica em fazer o paciente adorar o fato de estar ali, naquela cadeira. Todos me avisavam disso, mas nem Marise me fez parar com o pânico. Dia de Marise, era sempre dia de pânico, mal humor, estresse, ouvir Tim Maia bem alto para ver se a lembrança se evadia.

Hoje, curiosamente, me manda um e-mail carinhoso um dentista natural de Crateús-CE, radicado em Fortaleza, chamado Francisco Montezuma Sales que, junto com o seu companheiro de consultório, o dentista Helder Ferreira de Moura, gostam do Gazeta e dizem que são meus leitores.

Daí, comecei a me lembrar de alguns dentistas de Cajazeiras que já mencionaram que lêem esta coluna. Na ala feminina, Eugênia Rolim Meira e Denise Albuquerque. Na ala masculina, Abdiel Rolim e Inácio Andrade Torres. Não posso esquecer dos vereadores José Alme e Dudu, protéticos, que também mexem com a arcada dentária, só que de uma maneira menos assustadora.

A Ciência já deveria ter chegado por aqui e ter acabado com aquele barulho infernal do motorzinho: é ele o causador maior do pavor. E o jatinho de ar? O jatinho é uma das ferramentas mais dolorosas e diabólicas. E o tal do canal? Vivo me torturando porque nunca fiz canal. Oro para não ter que fazer canal. E aqueles algodões quando entram na boca, que parecem dizer que a gente já morreu? Escovo os dentes três, quatro vezes por dia, para não ter que ouvir Tim Maia com tais pretensões de esquecer a dor.

E tem mais: minha mãe queria que eu fosse dentista. Ela nem sonhava com todo esse meu estado de medo, mas de profundo respeito pela classe, porque, no entanto, tem coisa mais maravilhosa do que ser curado de uma dor de dente? Dentistas são elegantes, isto é inegável.

Quando respondi ao e-mail de Montezuma, disse logo:

“Que bom ter dentistas que me lêem. Ameniza mais a idéia que eu tenho de todos os dentistas do mundo, que adoram fazer pobres crianças indefesas se espernearem nos seus consultórios. E adoram ver gente grande, inclusive a mais forte e corajosa das criaturas, tremer de medo de um motorzinho. Vocês não poderiam ser mais bonzinhos, hein? Outra coisa: adoram dizer “calma” ou “não vai doer nada” só para que o paciente exploda de ansiedade e acabe se entregando a uma dor maior ainda.”

Dentistas, dentistas… Abusem dos analgésicos, por favor.

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