Mártir da “República de Curitiba”

Os meios jurídicos utilizados pela violenta prática dos integrantes da autoproclamada “República de Curitiba”, produziram um mártir: o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancelier. A sanha colérica do Ministério Público paranaense, coordenada pelo ex-procurador Deltan Dallagnol, com a autorização do Judiciário, deflagrou a Operação Ouvidos Moucos, inspirada na “Lava Jato”, retirando-o de sua casa às 6:30 da manhã, e levado à Polícia Federal para responder a um Inquérito Policial Penal, interrogado durante 6 horas por um delegado “recém chegado de Pernambuco que sequer conhecia o inquérito e ficou lendo perguntas, pressionando-o para confessar antes que fosse tarde”, segundo denúncia de seu irmão. Foi submetido a uma vexatória revista íntima – por duas vezes, na Polícia Federal e na Penitenciária –, e mantido despido durante mais de duas horas, diante de outros presos, para finalmente vestir o uniforme do presídio, ser algemado e acorrentado pelos pés.

Invadiram sua privacidade e sua intimidade. Negaram-lhe o direito de defesa. Impediram de continuar exercendo sua função pública e proibiram que mantivesse contatos com parentes e colegas da UFSC. Atacaram impiedosamente a sua dignidade. Observava-se um flagrante abuso de autoridade praticado por agentes públicos.

Não conseguindo resistir à humilhação e à desonra que lhe aplicaram injustamente, decidiu dar fim à própria vida saltando do sétimo andar de um shopping de Florianópolis, com um bilhete no bolso com a mensagem: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”. Desestabilizado emocionalmente, vítima, igualmente, da cobertura midiática, pautada na espetacularização que caracterizava as ações das Operações desencadeadas pela “República de Curitiba”, resolveu encerrar sua trajetória de vida.

A delegada que requereu sua prisão, Érika Marena, afirmou: “não faria um pedido desses se não tivesse a convicção de sua necessidade”. Nunca apresentavam provas, sempre agiam na base das convicções. Foi promovida pelo governo passado, quando o ex-juiz Sérgio Moro ocupou o cargo de Ministro da Justiça e a convidou para compor sua equipe de assessores.

Ao sair da prisão, Cancelier, publicou um artigo no jornal o Globo denunciando “a humilhação e o vexame” a que ele e outros colegas da instituição estavam sendo submetidos. Eis um trecho do artigo: “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana, não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina”.

Antes tarde do que nunca, o Tribunal de Constas da União, após quase seis anos do seu suicídio, concluiu que não havia irregularidades e inocentou o ex-reitor. Confirmada a sua integridade, fica, também, comprovado de que se tratava de um homem honesto que foi brutalmente condenado à morte ao ser vítima de uma ultrajante prisão e da exposição a uma opinião pública contaminada pelo discurso de ódio que vem sendo propagado nos últimos anos em nosso país. Se em vida não teve a oportunidade de provar sua inocência, a alcançou agora com essa decisão do TCU.

É preciso apurar as responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas. O ministro Flávio Dino já determinou providências nesse sentido. Ninguém pode ser contra o combate à corrupção, desde que seja feito dentro das leis e preservando direitos fundamentais como a presunção da inocência. O Estado de direito deu lugar a um Estado policialesco, em que inocentes podem ser tratados como bandidos.

1 comentário
  1. Oportuno observar que o estado policialesco e os desmandos jurídicos continuam, mesmo com a mudança de governo!

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