COISAS DE CAJAZEIRAS

A cidade centenária

FRANCISCO MATIAS ROLIM

A ideia não foi minha, pois, para falar a verdade, não me ocorreu. A ideia foi dessa extraordinária mulher, ainda hoje pranteada por toda Cajazeiras, D. Íracles Brocos Pires, conhecedora como poucos, das grandes efemérides da cidade dos Rolim e sempre preocupada em que as novas gerações se mantivessem à altura da tradição cultural que recebem por herança.

Mal começava eu a tomar pé no pesado fardo que me caía sobre os ombros, fui procurado por ilustre senhora, acompanhada de bem representativa comissão, para que desse minha palavra, como novo mandatário do município, sobre a comemoração – que, afinal, estávamos devendo a nós mesmos – do 1º centenário da cidade de Cajazeiras. Como se estivessem recitando a peça que antes ensaiaram cuidadosamente, todas me repetiam em coro que era uma vergonha deixarmos passar em brancas nuvens tão significativa data.

Se o Dr. Otacílio Jurema, pela marca do seu próprio temperamento, não se sensibilizara com a ideia, não seria admissível que o novo prefeito fosse repetir a mesma negativa diante de tão gratas figuras. O problema, pensei eu, seria exatamente a data: o centenário da cidade já havia se passado em 1963. Assim sendo…

– Assim sendo – consertou imediatamente D. Ica-, você decreta todo o ano de 1964 como o ano de comemoração do centenário de 1963.

Eu, claro, concordei, não apenas porque não encontrava meios de resistir à simpática pressão das visitantes, mas porque, pessoalmente, sustentava que foi um imperdoável esquecimento não termos dado, em tempo, a devida atenção à ocorrência.

– É, vocês tem razão… Sobretudo porque não dá para esperarmos pelo próximo centenário. E vamos cuidar disso já já. E logo organizamos a Comissão do Centenário, responsável por uma série de incontáveis eventos, no mio dos quais tive que incluir, de pronto, a entrega, à população, das primeiras obras do meu governo, o qual, lamentavelmente, não tinha forças para devolver-nos o tempo passado, mas tratava de dar a sua contribuição para recuperar a cidade do atraso em que dormira por tantos anos.

Mas não quero, antes de seguir adiante nos passos dessas lembranças perdidas, deixar de registrar o extraordinário brilho que foi dado à Semana do Centenário, em novembro de 1964, pelo desempenho do Grupo de Teatro de Cajazeiras, sob a direção da própria D. Íracles Pires, levando em plena rua (nas escadarias do açude, descendo a Avenida Presidente João Pessoa) para a multidão incalculável, do Auto da Compadecida, do paraibano Ariano Suassuna, a qual, segundo os entendidos, encenada por sertanejos que entendiam mais do que ninguém do que se tratava, foi uma das melhores performances já alcançada por esta famosa obra do repertório teatral brasileiro.

E, para não ficar em nosso mundo fechado, tivemos na mesma ocasião, a convite de seus colegas da terra, outro grupo amador da capital, que, no mesmo lugar, encenou, numa iniciativa absolutamente pioneira, a comédia Odorico, o Bem Amado, depois conhecida em todo o País por sua transformação em novela de TV.

TRECHO DA NARRATIVA DE FRANCISCO MATIAS ROLIM EXTRAÍDO DO LIVRO ‘DO MIOLO DO SERTÃO: A HISTÓRIA DE CHICO ROLIM CONTADA A SEBASTIÃO MOREIRA DUARTE’

CORREIO DAS ARTES – ANO LXIV – Nº 7 – SETEMBRO/2013

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