Mãe Ana Preá

A vida moderna, com seu ritmo apressado, produz e inventa novas formas de viver e de relacionamento. A individualidade apregoada como o mais sagrado pré-requisito da privacidade institui novas maneiras de interação social. Os indivíduos começam a perder a condição de vizinhos, de amigos, de turmas de rua e de bairro, de parentes que se visitam, que intercambiam xícaras de açúcar e afetos, que respiram o aracati nas quentes noites sertanejas de verão em cadeiras espalhadas nas calçadas. Nessa nova modalidade as relações são determinadas pelos sítios eletrônicos, pelas senhas e códigos, pelas imagens e mundos virtuais onde a frieza da máquina e da tecnologia congela e esteriliza amizades.

Essas ponderações me acorrem quando, no mês do meu aniversário, lembro de minha Mãe de Umbigo, Ana Preá, e de como eram construídas as relações de afinidade entre a parturiente, o recém-nascido e a parteira responsável pelo parto. Relações que determinavam o tratamento de comadre para parteira e parturiente e de mãe para a criança que acabava de vir ao mundo. Esses vínculos instituíam ainda todo um acervo de obrigações sociais e culturais e um conjunto de reverências que eram rigidamente seguidas. Assim é que, sempre que me encontrava com minha Mãe de Umbigo pedia-lhe a bênção e, em muitos momentos, lhe visitava em sua casa no Sítio Bom Jardim. Ainda tenho vívido na memória o sabor da galinha temperada com açafroa e que traduzia a melhor forma de boas vindas e acolhidas para a comadre e a afilhada.

Nesse cenário de relações culturais trançadas na vivência cotidiana e nas necessidades de construção da sobrevivência os filhos da Mãe de Umbigo passam a compor a relação de afinidade e de carinho. Ainda hoje, Zé Preá e a Velha de Batista, filhos de Mãe Ana Preá, me tratam por irmã e me dispensam gestos sinceros de amizade e irmandade. Mesmo velhinhos ainda procuram saber notícias minhas e, com frequência, os visito.

A Mãe de Umbigo era uma instituição social responsável pela costura de laços sociais. Dessa posição, ela evocava o direito de realizar todos os partos da comadre e creditava no rol das ofensas inapagáveis ser preterida. Entre as parteiras desta magnitude destaco Zefa Morena que manifestou seu descontentamento com meus pais pela preferência a Ana Preá
quando do meu nascimento. É que me apressei para nascer e, no final de uma tarde de
agosto, enquanto meu pai ensacava algodão e pesava os fardos na tradicional balança de
cordas, eu dava o ar da graça neste mundo. Mesmo remando contra a crença comum de que agosto é um mês azarado me considero uma pessoa de sorte por ter vivenciado e guardar memórias de um tempo em que as relações de vizinhança, de afeto e de apreço eram mais singelas e, por isso mais verdadeiras. Em que ter uma parteira como Mãe de Umbigo ia além de um simples percurso biológico. Era uma teia de fios costurando o tecido social em que homens e mulheres, mesmo na simplicidade dos gestos e das práticas sociais, se agigantavam na sua condição de humanidade.

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