Lições de Liberdade

Os dois se encontraram naquela noite. Um não conseguia perceber os detalhes do outro. Tudo escuro, turvo, incompreensível. Eles dois se perpetuavam num silêncio rigoroso, digno de grandes amores. Tão solitários e tão ricos de esperança, os dois se alimentavam de caminhos ainda sem traço, sem sentinelas, sem setas ou fadas. Era um encontro real demais para ela, que ainda pensava em lobos falantes. Na realidade, os dois se mereciam, como tantas e tantas coisas tentavam se merecer e existir dentro de outras estórias, palavras e verdades.

Passaram a noite inteira buscando decifrar montanhas interiores, novelas e personagens, continentes e pessoas perdidas, chaves e suas respectivas portas. Mas era noite e, por isso, ninguém conseguia uma resposta ou qualquer outro instante de lucidez para a chegada do começo. Eles não sabiam nem o que era o começo.

Mas existia uma certeza naquele momento de escuridão: os dois queriam se conhecer, mesmo sem convicção, mesmo sem futuro ou passado, mesmo sem armadilhas… Queriam o mundo.

Ela era muito para ele: um mar, um acalanto para suas andanças, uma quinta estação do ano. E os dois se procuravam com ares de desespero.

No primeiro clarão de um dia esperado por ambos, deu-se o susto. Eles precisavam parar ali mesmo, no começo do começo, na manhã inicial de uma vida de adornos e fantasias que estava por vir. Adornos inúteis par ele, que a descobriu dentro de uma prisão.

Nenhuma dúvida, no entanto, pairou sobre a primeira atitude dela. Duas certezas pulsaram: uma, cruel pela separação; outra, bela por um amor que somente poderia ser concebido em liberdade. Ele cantarolou algo nunca antes ouvido por ela. Com as mãozinhas delicadas e trêmulas, a menina aprendeu a amar e a viver intensamente o seu presente de aniversário: abriu a portinha da gaiola de ferro, suspirou aliviada e certa de estar amando e sendo correspondida por ele.

Assombrado por tantas estradas do céu que tinha para escolher, o sabiá voou… Foi sumindo tímido, chorando por ser pássaro e por não ser gente, talvez pelo contrário. Ela o observou em terra firme, com o coração e o olhar firmes também; de amor sobreviveu, e começou, aos cinco anos de idade, a saber que o céu não era o bastante para a saudade.    

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