Entre ipês e paus d’arcos

De repente sob o céu azul sem nuvens uma copa amarela tinge de dourado o céu sertanejo. E a primavera se anuncia timidamente numa região que tradicionalmente conhece apenas duas estações; a das chuvas e a das estiagens. O espetáculo que passa despercebido a tantos transeuntes que circulam pelas ruas da cidade envolvidos em seus cotidianos de pressa emociona a quem ainda cultiva a sensibilidade pela simplicidade da vida. Perdidos em tímidos recantos de praças e ruas, os ipês amarelos estão tingindo o céu de outubro da calorenta Cajazeiras. É o encantamento da vida que se metamorfoseia numa singela flor trazendo a tonalidade do ouro para o cinzento das ruas e vielas da cidade.

Infelizmente, a cidade é raquítica em espaços de árvores capazes de multiplicar, na primavera sertaneja, o espetáculo das flores. Inexistem praças e parques em quantidade e dimensão capazes de reunir espécies vegetais e de fecundar cores e tons de floradas. Asfixiada pelo calor desértico Cajazeiras escalda pela ausência em suas ruas de árvores como juazeiro, imburanas, trapiás, timbaúbas, oiticicas. Muitos dos seus habitantes conhecem e identificam com mais facilidade um pé de nim indiano e espantam-se ignorantes diante de uma cajazeira, árvore que outrora abundante em seus córregos e riachos, batiza o município.

Talvez tantos não se sensibilizem com a florada dos ipês e paus-d’arcos porque a sensibilidade está cada vez mais sendo subtraída das emoções humanas. Substituída pela necessidade de ter a sensibilidade, apaga dos nossos olhos e corações a beleza da imensidão do céu sertanejo limpo de nuvens e tingido de um azul profundo e intenso no mês de setembro. Apaga de nosso prazer e deleite a lua cheia de setembro, que desfila feito um disco de prata num céu cor de anil e que reflete a intensidade das estrelas que pontilham o infinito no mês de agosto. Esquecida em outras dimensões esconde os sentimentos mais simples e, por isso mesmo, mais humanos do afeto, da amizade, da generosidade.

Adjetivem de pieguice ou de qualquer outra designação. Mas a cena do amarelo dos ipês no contraste do céu límpido de outubro cutuca a alma. No Campus da UFCG, além do amarelo dos ipês o roxo dos paus-d’arcos traz uma diversidade de tons e emoções. Esgueirando-se contra a agudeza da estiagem que teima em acinzentar a vida nos sertões, as flores dos ipês e dos paus-d’arcos nos trazem a certeza de que a natureza, mesmo diariamente maltratada pela insana mão do homem e de seu afã de progresso, ainda é capaz de se revelar em sua beleza e esplendor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicações relacionadas
CLIQUE E LEIA

Desencantando sonhos

Submersa na burocracia que a vida moderna nos presenteia e, sobretudo, nos impõe diariamente, pulula a minha frente,…
CLIQUE E LEIA

Nosso vizinho

Já não vivemos na época em que as pessoa conhecia todos os seus vizinhos e os consideravam amigos;…
Total
0
Share