Calabar foi um traidor?

Participei, na terça-feira última, de um evento no IPHAEP – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DA PARAÍBA, em que o tema abordado era o polêmico personagem histórico do período colonial no Nordeste, Domingos Calabar, apontado pela historiografia portuguesa como um “traidor da pátria”. Os palestrantes foram a restauradora Piedade Farias, o jornalista Ademilson José e o antropólogo Carlos Alberto de Azevedo, que brilhantemente proporcionaram um interessante e necessário debate sobre o papel por ele desempenhado nos conflitos entre os holandeses e a coroa portuguesa, no século XVII.

Essa matéria tem despertado os mais diversos questionamentos por parte de historiadores e estudiosos quando se colocam contrários aos escritos da época, todos eles produzidos por autores portugueses, fazendo prevalecer o entendimento de que ele teria cometido um ato de traição, ao optar por aderir aos holandeses no confronto estabelecido nas chamadas “Guerras do Açúcar”. Os portugueses não conseguiam aceitar a súbita adesão de Calabar às tropas batavas, depois de ter lutado ao lado dos colonizadores lusitanos. Lamentando a perda daquele aliado, decidiram estabelecer a sua condição de traidor.

No entanto, para muitos, Calabar não cometeu traição. Fez opção pelo que acreditava ser o melhor para a sua Terra e o seu povo. Em carta dirigida ao governador da capitania, Matias de Albuquerque, afirmou que passou para o outro lado não como um traidor, mas como patriota, por entender que os holandeses queriam implantar a liberdade no Brasil, enquanto que os portugueses e espanhóis tinham interesse em escravizar o nosso país.

Chico Buarque e Ruy Guerra ao escreverem a peça “CALABAR – O ELOGIO DA TRAIÇÃO”, em 1973, procuram produzir uma ação revisionista do episódio histórico, buscando discutir qual julgamento seria mais apropriado a Calabar, ensejando, inclusive, a indagação de qual teria sido a colonização mais interessante para o Brasil, a portuguesa ou a holandesa. O conceito de “traição” é questionado, a partir da escolha feita por Calabar. E os autores contextualizam com a ditadura que o país vivenciava na época em que a peça foi elaborada, ao perguntarem: afinal de contas, onde está realmente a traição? A analogia era explícita, provocando a confusão: onde estão os vilões e os heróis? Quando se sabia que o regime militar premiava a traição, os conhecidos “dedos duros”. A figura de Calabar serviu ao Brasil como exemplo de subversão.

Calabar amava sua Terra e fez a escolha que julgava mais acertada, embora seu nome tenha ficado na história definitivamente associado à ideia de traição. A História precisa ser recontada, no propósito de evitar julgamentos injustos. Percebe-se uma luta onde se ouvem várias vozes disputando o direito de serem consideradas detentoras da “verdade histórica”. Mas é preciso que isso ocorra, para que se consiga explicar, atacar ou defender as atitudes de Calabar, sem a preocupação em transformar o vilão em herói, mas a de encontrar a verdade histórica que não seja, exclusivamente, a da sua condenação escrita na versão oficial dos livros didáticos até então.

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