Bar do Dércio

Quase toda cidade tem seu bar de destaque. Trata-se do boteco preferido pela cerveja geladíssima; pelo petisco; pelo atendimento dos garçons; pela música ambiente; pelo charme da decoração…  Em Brasília, o Beirute se encaixa nesses itens. Com quase quatro décadas de copo cheio recepciona gente de todas as tribos. É destaque pela presença de artistas famosos que vêm à cidade fazer espetáculos.

No Rio de Janeiro quem não conhece o célebre Garota de Ipanema? Estive lá no início deste ano e constatei o charme de beber umas cervas absorvendo o espírito artístico da década de sessenta de Vinícius e Tom.

Também estive em São Paulo há pouco mais de um mês e frequentei vários bares agradáveis para qualquer tipo de exigência.  Mas a melhor taberna, o melhor botequim é aquele em que você tem raízes. Não somente pessoal. Também pelo seu valor inserido na cena de sua cidade. E a isso faço referência ao Bar do Dércio em Cajazeiras, minha cidade natal.

O Bar do Dércio foi a mamadeira etílica de metade (estimativa por baixo, segundo o Datadércio) dos jovens da cidade iniciados na arte de alegrar o espírito. É verdade que certos espíritos exageram na dose e vomitam no canto de parede, já encardida por outros espíritos.

Toda boemia de Cajazeiras dos anos setenta, oitenta em diante, bateram o ponto no Bar do Dércio. Se todos gostam desse boteco, então o que tem ele para seduzir tanto a rapaziada?

Localizado quase no fim da principal avenida da cidade, Praça João Pessoa, não se presta a nenhum requisito mencionado no primeiro parágrafo. Nem uma seriguelazinha para dar uma arrematada na mardita da branquinha? Não, não tem. E um caldinho de feijão com um coentrozinho por cima? Também não. Poxa, vida, e um tasquim de carne assada na brasa? Oxente, e lá é churrascaria? Não, lá é botequim sem eira nem beira.

Pelo menos tem mesa e cadeira. Não pra todos. Mas também quem é que quer ficar sentado se o melhor é rir se contorcendo com os causos, pilhérias, zombarias e escrotagens sobre qualquer figura da cidade, seja ela rico ou pobre, de esquerda ou de direita, católica ou evangélica, manco ou chique, autoridade ou otoridade.

Mas o Bar do Dércio tem charme, sim senhor, ora bolas! É a elegância da amizade dos que lá assiduamente se confraternizam por qualquer motivo. Inclusive nada.

Todo cajazeirense apreciador de água benta, ao retornar a cidade, vai lá derramar a do santo ao pé do balcão. Existe até o Sabadércio, que é a reunião aos sábados dos amigos dercianos de copo.

Por esse mistério de se gostar tanto de um “pé-sujo”, no bom sentido da palavra, adapto a fala de Chicó, na peça Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e digo: “num sei, só sei que é assim”.

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