Agruras de José Dirceu

A angústia de José Dirceu é visível nas imagens da tevê. Impossível disfarçar. Não é para menos. José Dirceu de Oliveira e Silva construiu singular trajetória política desde cedo, quando atuava no agressivo movimento estudantil antes do AI -5. As primeiras prisões forçaram sua adaptação à agonia da vida clandestina. No entanto, sua incansável disposição de luta, a experiência de exilado político, a amizade com Fidel Castro e outros personagens latino-americanos, tudo isso, aliada à notória capacidade de liderança, deu a Zé Dirceu a fama de herói. Herói para uns. E bandido, para outros.

No regresso definitivo ao Brasil, ele desenvolveu suas qualidades de articulação, consubstanciada nos passos decisivos para a criação do Partido dos Trabalhadores, tendo sido um dos grandes responsáveis pela sua construção, ao lado de Lula. O primeiro encontro entre os dois, aliás, foi organizado por Frei Betto. Frei Betto? Exato, o dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, que fora preso por suas vinculações com a Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighela, morto pelas forças da repressão. Frei Betto é o mesmo que esteve em Cuba, este mês, ajudando a preparar a visita do papa Francisco, a quem Fidel deu de presente o livro, escrito por Frei Betto, “Fidel e a religião”!

Como o leitor pode notar, tudo se encaixa.  O PT nasceu da confluência de três grandes forças: os trabalhadores organizados em sindicatos do ABC, comunidades eclesiais de base e intelectuais de esquerda. Pela composição social na origem, pelos propósitos éticos e por sua prática inicial, o PT era um partido diferente, que cresceu à sombra do carisma de Lula, prosperando sob o comando pragmático de José Dirceu. Contudo, parece que houve exagero no pragmatismo, ao ponto de desprezarem bandeiras simbólicas. “Eles não fizeram, porque o PT não pode fazer?” “Eles” são os partidos tradicionais. Ainda hoje repetem isso, tentando justificar malfeitorias ligadas ao aparelhamento das instituições públicas, a montagem do sistema de corrupção com recursos de origem criminosa para comprar apoio à governança. E, pasme, até para enriquecimento pessoal! Frei Betto, após afastar-se do PT quando o mensalão ainda estava na fase de investigação, desabafou, no livro “A mosca azul”, a sofrência da “dor de ver um projeto adulterado pela ambição desmedida, a sede de poder, o pragmatismo inescrupuloso, essa esperteza tão pusilânime que acaba por engolir o esperto, como a cobra morde o próprio rabo”. E acusou: “Um pequeno núcleo dirigente do PT conseguiu em poucos anos o que a direita não obteve em décadas, nem nos anos sombrios da ditadura: desmoralizar a esquerda”.

Em 2009, a candidatura de Dilma já estava definida e Dirceu viajava pelo Brasil a amarrar as pontas das alianças e segurar os petistas perplexos ante o escândalo do mensalão. Mostrava-se otimista. “Se eu conseguir a absolvição e a anistia na Câmara, posso me candidatar em 2014. Mas posso não me candidatar. O que eu quero é provar minha inocência”. Ilusão. Passados sete anos, além da punição imposta pelo STF, Dirceu anda às voltas com novo processo, o do assalto à Petrobras, no qual poderá ser condenado com penas, presumivelmente, mais pesadas. Por quê? Porque tornado, reincidente, ele perderia algumas das regalias concedidas a delinquentes primários.  Por tudo isso, a angústia de Dirceu virou agrura. Às vésperas de completar 70 anos, talvez aspire um acordo. Que tal uma delação premiada? Quem sabe, quem sabe…

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