A vaia pede bis

Algumas pessoas estão me perguntando o que eu quis dizer com o penúltimo artigo, sobre a vaia. Aliás, sobre a sociedade hipócrita que se sustenta num senhor falso e que não admite ser vaiada. A mesma sociedade que pinta, borda, casa e batiza, na semana, vai à missa aos domingos para pedir perdão ao senhor. E, na hora do “por minha culpa, minha tão grande culpa”, no Ato Penitencial, até bate duas vezes no peito.

“É pura filosofia. Se foi se referindo a Deus, eu confesso que fiquei chocada”, disse Fátima Leite, secretária municipal do Trabalho e da Ação Social.

O professor do Campus V da UFPB, Aderson Graciano de Oliveira, me perguntou: “O que é que, ultimamente, Deus está fazendo com você?”. Eu respondi: “Ah, Deus faz muito, faz tudo de bom, mas esse senhor a que eu me refiro é um falsário”. E é mesmo.

As maracutaias desse senhor renderiam dois meses de artigos no Gazeta. Aposto que você, leitor, não agüentaria. Na verdade, é a sociedade dissimulada que promove as armadilhas, incentiva a existência leviana desse senhor, e procria uma doutrina que destoa dos fundamentos da cristandade.

A autêntica doutrina cristã é belíssima e pouco praticada. Suas portas são abertas logo com o mais digno dos princípios: “Amai a Deus sobre todas as coisas”. E sustentada por outro, em seguida, que seria o mais perfeito condutor da fraternidade entre os seres humanos: “Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Onde estão esses mandamentos? Debaixo do tapete, dentro do armário, escondidos no colchão, impressos nos exemplares da Bíblia que raramente são lidos pela maioria?

Os mandamentos da Igreja não são cumpridos, nem são irradiados como manda a Palavra. Ainda falta muito para distribuir essas sementes: faltam os verdadeiros operários. Muito mais do que gritinhos, do que pulinhos, do que aeróbicas para o senhor, faltam as pessoas. “Porque Deus não faz distinção entre os homens”, diz o versículo 11, do segundo capítulo dos Romanos.

Estou correndo o risco de perder vários leitores, neste momento. Não os que, por ingenuidade ou por outras razões, não entendem o que escrevo. Mas os falsos, os que pintam, bordam, casam e batizam com a suposta aprovação do senhor. São eles os que sentem medo quando questionados. Deus está muito longe de ser esse perdoador de pecados, esse funcionário fantasma da fé, esse showman da enganação.

As pessoas me vêem na missa. Claro, vou à missa. Preciso me alimentar espiritualmente da presença de Deus no ritual sagrado. Muitos fiéis deveriam parar com tanto moralismo besta, e deveriam saber que a missa é um ritual, relembrando o sacrifício divino pela humanidade. É, mas, falta uma pedagogia para a crença. A ingerência no nosso processo educacional desemboca nos pouco inteligentes e nos despreparados para esse ritual. São esses os que pensam que a glória é estar rezando o terço, ali, mil vezes por dia, mas sem concentração nenhuma, na decoreba. São os que compram todos os discos de Padre Zezinho, mas negam uma ajuda financeira a quem está doente, carente, desamparado, excluído.

Vou à missa, mas quando eu estou com preguiça, fico em casa. Deus já sabe disso. Sempre conversamos. Ele não é, para mim, esse senhor fanatizado, que recebe mãos para cima e para baixo e um número determinado de palminhas, mas que sente medo em apoiar os grevistas, os agricultores, as mulheres violentadas. Ele é meu amigo, e o melhor dos amigos.

Através da presença de Deus, eu consigo respeitar, dialogar, sorrir, pacificar, compreender, conhecer, amar e escrever, como agora. Ele está na árvore, no Sol, no bem-te-vi, no céu gigante, nas águas, na atmosfera. Ele também está na capacidade de nos reconhecermos como mortais, como cidadãos, como injustiçados, como marginalizados, como membros da Natureza. Ele também é força: a indignação com a covardia, o fogo, o raio, o buraco negro, o maremoto.

O homem, porém, é o errante na ação de Deus. O ser humano, capaz de tantas genialidades, é o governador, também, de uma terra não prometida, e o artífice de uma balsa para um rio não navegável.

O ser humano de hoje, tão preocupado com o seu umbigo, não se permite conversar com Deus. Sente vergonha. É orgulhoso, não se deixa vaiar, nem se humilha diante dos próprios defeitos. Acha que é uma demonstração de fidelidade extrema ir à missa aos domingos, participar das reuniões, das novenas, dos grupos, ajoelhar-se e, por exemplo: falar mal do outro, tecer intrigas, ficar rico de maneira ilícita… Ah, tanta coisa… O resto, eu estou com preguiça de falar. O senhor me perdoa.

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