A crise, a seca e a palhaçada do corte do Bolsa Família

Que existe crise, somente uma pessoa completamente alheia à realidade, poderia negar; atravessamos a maior seca das última seis ou sete décadas, em que testemunhei (1915, 1932 e 1877, as mais famosas, eu não era nem projeto de gente), e tem seus efeitos agravados com o fato de aqui viverem cinco vezes mais gente, com muitos hábitos mais sofisticados, por exemplo, tomar banho de chuveiro todos os dias, lavar o carro ou a moto de vez em quando (antes se lavava, e todo dia os cavalos e seus parentes). A população sertaneja, ou pelo menos parte dela, ansiosa por se inserir na aldeia digital global, e isso tem um custo, tanto de água como de dinheiro.

Quando eu me entendi de gente, lá pelos anos 60; a gente sentava nas calçadas, e ficava contemplando o céu e avaliando o formato das nuvens, para saber se eram ou não, sinalizadoras de chuva, existia toda uma cultura em torno de como seria, e as adivinhações, profecias, e todo um elenco de atitudes, simpatias, e outros para se avaliar a perspectiva de uma quadra invernosa (um equívoco, pois o que a gente conhecia como “invernos”, na realidade se tratava de chuvas de verão), mas a temperatura baixava, e com a umidade acontecia, como deve acontecer algum dia uma sensação de frescor.

Agora quando chegavam as temidas secas, o bicho pegava; acorriam às cidades multidões de “flagelados”, que vinham procurar comida, e se necessário à força, inclusive com o saque às feiras e ao comércio, e algumas vezes, os comerciantes tinham que se defender, inclusive “com os meios necessários”, ou seja à bala. Já escrevi sobre esta tema, mas não custa lembrar, que no dia 10 de janeiro de 1984, todos os prédios públicos de nossa cidade foram saqueados, e se não fosse uma atitude corajosa da Companhia de Polícia (que  colocou todo o seu contingente na rua – sob o comando do Cap. Batista), as lojas do nosso comércio certamente seriam invadidas e saqueadas.

Hoje, a mudança é de tal maneira, que as novas gerações sequer sabem desses fatos  lamentáveis, assim como eu soube por intermédio de meus pais, avós, etc., de histórias ainda mais deprimentes, como famílias comendo sola de sapato, couro de tamborete, rato, e alguns morrendo literalmente de fome, enquanto as “famílias”apenas podiam assistir e se compadecer, pois se dessem o que tinham para estes, eles é que iriam estar no lugar desses infelizes.

Com o desenvolvimento das vias de acesso, que se pode trazer o que não existe aqui das sobras de onde choveu (somos um dos países que mais produz excedentes de safras), quem podia importava o que precisasse. Depois veio do governo uma rara concessão aos sertanejos, se bem que não foi desenvolvida especificamente para cá: Os programas sociais de redistribuição de renda, mas que serviu como uma luva para ajudar decisivamente nossa população a atravessar esses prolongados períodos de seca, entre estes os Bolsa Família, que em parte, foi responsável por fazer surgir uma nova classe média sertaneja, sem os traumas do meu tempo, em que comer era até pecado.

Surtiu e continuam os seus efeitos benéficos, até esse ano, em que se atravessa o quinto ano seguido de chuvas escassas, e com a série de equívocos que o próprio Governo como um todo vem (e vinha) cometendo, tudo agravado pelos gastos (diretos e indiretos) com a eleição passada, bem como a diminuição do crescimento da China, O Brasil entrou em crise, já esperada.  Então se tem que cortar gastos, e como era de se esperar, se olhou à volta, e se apontou parte da como solução, o corte desses programas, justamente quando atravessamos a crise como qualquer brasileiro, ou seja as ofertas de emprego diminuíram, e nós sertanejos, ainda temos que conviver com esta longa estiagem, que ao contrário de carta de caminha, “em se plantando nada dá”, se vem justamente nesse momento, se puxar esse tapetezinho, ou se cortar o galho onde grande parte dos nossos pobres está pendurado, de fato o relator-propositor desse corte é da Região Norte, que se tiver fome é só jogar uma anzol num igarapé, e almoça peixe, trepa numa árvore e colhe açaí; aqui a realidade é dramaticamente diferente, qualquer corte vai ter conseqüências e essas podem ser muito piores.  Enquanto isso, o Brasil continua a ser um dos pouquíssimos países que não taxam as grandes fortunas, e nossos bancos têm a maior lucratividade do mundo, e ninguém parece ter olhado para essa bolada que os realmente ricos, continuam a receber. A solução é cortar as esmolas dos pobres, os ganhos astronômicos dos ricos, são como uma dádiva divina, e esses não podem ser mexidos.

O negócio parece ser assim: Não é suficiente que eu ganhe muito, o populacho também tem que perder para pagar a conta sozinho, ou como dizia o inesquecível personagem de Chico Anísio, Justo Veríssimo: “O povo que se exploda…”.

Uma coisa vergonhosa, uma palhaçada de extremo mau gosto.

Dá nojo!!!

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