Segredo de confessionário

VALIOMAR ROLIM

Para os irmãos mais velhos foi uma grande festa. Para ele, a primeira comunhão não ia passar de uma penitência, nada mais do que isso. Com a morte prematura do irmão caçula de seu pai, foi decidido que faria sua  confissão e, sem nenhuma formalidade, a primeira comunhão, durante a missa de sétimo dia de falecimento de seu tio Matias, morto no acidente automobilístico que tanto abalou Cajazeiras naquele ano de 1963.

Durante os três dias que separaram o comunicado daquela decisão que tanto abalou sua vida que, pensava, jamais seria a mesma, e a tão esperada missa, todo seu ser ocupava-se unicamente daquela primeira comunhão. Como os adultos da família estavam inacessíveis por conta do sentimento de perda do ente querido, teve de procurar assessoria com seu primo carnal e maior amigo Claudiomar, Tonha, que a ele e todos os irmãos criara, e Dazima que fizera a mesma coisa com seus primos.

Combinou-se como seria a confissão. Com Tonha e Dazima aprendeu que diria ao Padre que desobedecera à mãe e ao pai, faltara algumas aulas e, algumas vezes,  deixara de fazer os deveres de casa. Com Claudiomar acertou que contaria que surrupiara frutas nos quintais dos vizinhos, colara nas provas do colégio e trancara-se num quarto com uma menina.

Chega o esperado dia. Estava com a confissão decorada, como se fora o script de uma peça de teatro, de cor e salteado, da frente para traz. A cabeça estava a mil, parecia que ia estourar de tanta emoção, sentia-se flutuando dentro da igreja matriz. O padre, à sua frente, mais parecia um gigante, de tanta importância e gala estava investido. Nem notou que chegara a sua vez de ajoelhar-se diante do sacerdote, mas as pessoas da fila já haviam todas se confessado, era sua vez e fosse o que Deus quisesse.

Recitou todos os “pecados” conforme havia decorado e combinado durante a semana. O confessor ouviu-o compreensiva e pacientemente até quando declamou a última fala, exatamente aquela que dizia que trancara-se com uma menina. O mundo explodiu, o Padre que, até há poucos momentos, estava um poço de candura cresceu e multiplicou seu tamanho que já era o de um gigante, quando respondeu sim à pergunta de que acontecera safadeza. Daí em diante foi só ouvir, ouvir o que nunca imaginara. Como poderia pensar ser uma criança tão má?, será que o diabo em pessoa viria buscá-lo para levá-lo pretinho para o inferno?, e a voz do sacerdote parecia cada vez mais alta e próxima. Será que era verdade que estava com o cão nos couros?, ficou encolhido, com os olhos fechados, tentando forçar com aquela postura o que era sua vontade naquele instante, diminuir até desaparecer. A voz do padre parecia que estava ali, no seu ouvido, tão próxima que parecia sentir-lhe o bafo.

Sentia-se exposto, privado de toda sua intimidade, como se todas as pessoas presentes na igreja estivessem assistindo sua confissão, ouvindo todas aquelas frases que tanto o denegriam e participassem daquele momento tão íntimo e importante de sua vida. Teria de reagir, tomar uma posição. Não poderia ficar indefinidamente ouvindo impropérios, humilhado. De cabeça baixa e olhos fechados. Abriria os olhos, erguer-se-ia e enfrentaria aquele que agora parecia seu algoz.

Levantou a cabeça, fez menção de erguer-se e dirigir seu olhar à procura do sacerdote, quando virou-se…

Chocou-se com o Padre que havia saído do confessionário e estava ali, de pé, atrás dele, sendo ouvido e observado por todos que faziam-se presentes na igreja.

DO LIVRO ‘O CRONISTA DO BOATO – CAUSOS DE VALIOMAR ROLIM’

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