Admirável gado novo

VALIOMAR ROLIM

Os tempos andavam bicudos. Neco, proprietário de loja de calçados, chapéus e artigos de couro fechou a loja com que manteve sua família por todos aqueles anos. Agora só restava procurar o grande deputado, a quem dera seu voto e os dos seus, para conseguir um emprego.

Para manter o padrão de vida da família, e com sua escolaridade, pensou, só podia ser de agente fiscal do estado, e foi por isso que Neco Choupana não deu a menor folga. O deputado teria de arranjar o emprego, toda uma vida votando nele, como eleitor comum, líder de família, chefe político e com tudo que pôde conseguir, dera votos, agora era a vez de ser retribuído.

Depois de tanto assédio decidiu-se, o emprego seria dado, Neco seria agente fiscal. Por sorte estava marcado para os próximos dias um concurso para o cargo. Tudo foi providenciado, Neco faria a prova e seria escalado alguém, para a fiscalização, que lhe ajudaria na prova. Prova de múltipla escolha, bastava que quem fiscalizasse colocasse o dedo nas assertivas corretas.

Instalada a prova, toda vez que a fiscal passava pela carteira onde Neco estava, indicava com o dedo uma assertiva certa. O diabo foi quando a questão era saber qual era o artigo na frase “o sapato é azul”. A fiscal colocou o dedo na letra “o”, Neco não aceitou; a fiscal colocou outra vez, ele resistiu, chegaram a discutir e ele justificou: “o artigo é sapato, artigo vendável, artigo bom, passei vinte anos vendendo e sei que é artigo de primeira”.

Aprovado no concurso, foi lotado em Cajazeiras, no posto dos Veados. Uma tranqüilidade, quase não havia o que fazer, agora era só levar vida mansa e despreocupada. Não dava para ter saudades do tempo de comerciante. Agora, aprendida a rotina do serviço, era uma moleza só, fazia um plantão no posto e passava dias de folga.

 Só que existem dois caminhos para o aprendizado: o mais fácil, no banco escolar; e o mais difícil e eficiente, a experiência.

Pela falta de oportunidades e acesso ao primeiro, Neco foi forçado a trilhar o segundo caminho. Contam-se muitas passagens acontecidas no noviciado do nosso grande fiscal. Até hoje é famosa a conversa que teve com o coletor após um famoso despacho.

Por mais que o chefe se esforçasse não conseguiu saber a que tipo de gado se referia seu subordinado naquele confuso documento fiscal. A explicação, por mais bizarra que parecesse, não podia ser mais clara: “se o gado estivesse entrando na cidade seria gado boivino, mas como estava saindo é claro que era gado boino”.

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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