Pudim de cachaça

O nome dele era Zé Pita. Nunca tive a curiosidade de saber a origem do Pita, mas era uma figura ímpar. Trabalhava de chapeado. Grande parte do dinheiro que ganhava, descarregando cargas no comércio de Cajazeiras, tinha um destino: o consumo de cachaça. Andava elegantemente, mesmo estando com o bucho cheio de cana e a cabeça nas nuvens.

Terminado o expediente, que às vezes varava até a noite, ao se dirigir para o lar, situado nos confins da Rua da Palha, depois ainda dos Sete Candeeiros, desfilava pelas ruas com um “mói” de peixe, enfiado numa tira de palha de carnaúba, que havia comprado fiado a Antônio Preto, famoso vendedor de peixe, oriundo das águas do Açude de Boqueirão. Quando chegava em casa, lá pelas oito da noite, os corrós já estavam com aquele cheirinho de “inhaca”, mas mesmo assim, sua mulher Carmina, filha de Zé Pé de Bola, ainda ia prepará-los para Zé Pita, com alguns pinguços da vizinhança, beberem mais uma garrafa de aguardente Chora na Rampa, acompanhado de pirão de farinha.

Certo dia Zé Pita resolveu fazer um mimo para os amigos de bebedeira e convidou-os para uma festa em sua pequena, mas humilde e acolhedora casa, com piso de chão batido e de portas e janelas remendadas com pedaços de zinco. A notícia logo se espalhou e começaram os pedidos para participar do inusitado evento. E aumentaram, principalmente, depois do anúncio que no cardápio constava galinha de capoeira.

Finalmente chegou o dia. Era um sábado, depois da feira. Zé Pita, de lambuja, ainda convidou alguns amigos da Padre Manoel Mariano, rua onde descarregava mais cargas. Dona Carmina já havia recebido muito cedo uma bacia com dez galinhas bem tratadinhas e ao portador nem se interessou em perguntar qual tinha sido a origem e nem o trajeto que elas percorreram até a sua casa.

Zé Pita, neste sábado, tinha que chegar mais cedo em casa para fazer os últimos preparativos e para que isto acontecesse não podia parar em nenhuma das oito bodegas, que ficavam no caminho de sua casa, onde costumava beber quatro ou cinco lapadas de pinga, em cada uma. Mas como ia ter muitos litros de cana, que para alguns era ingresso para a festa, não tava muito preocupado em faltar pinga para matar o viço. Zé Pita só parou em uma ou duas onde bebeu logo uma meiota, com seu tira gosto preferido: tripa de “bacurim” assada.

Dona Carmina, que já havia trabalhado em residências de gente “rica” da cidade se tornara uma excelente cozinheira e teve o cuidado de cozinhar as galinhas mais velhas separadas para não esfrangalhar as mais novas. E o cheiro tomava conta da rua, já que o toucinho de porco era um dos temperos da galinhada.

O feijão verde do rubacão, Dona Carmina ganhou de presente do compadre Zé de Bilu, que possuía uma vazante no Açude São Francisco, de propriedade dos Juremas.

Enquanto a festa rolava, bem perto dali, Zé Bachinho, apelidado também de “Zé Cu de Cobra”, que morava ao lado da Pedra do Galo, bem pertinho do cabaré, construído por Otacílio Jurema, conhecido por Palha, desde a quinta-feira para amanhecer a sexta-feira, andava investigando quem tinha surrupiado as dez galinhas e um frango, que havia capado recentemente, do seu chiqueiro de varas. As galinhas estavam sendo engordadas com arroz cozinhado e seriam sacrificadas no dia do casamento de sua filha Rosinha, com o filho de Pergentina, do Sítio Cotó.

Zé Bachinho ao tomar conhecimento da galinhada e da festa que rolava na casa do outro Zé já chegou com o soldado Zé Maleta a tiracolo e foi logo abrindo caminho na lotada casa. E um dos presentes, “meio zoado” foi logo dizendo: abra caminho aí pessoal para a “autoridade” passar. E um outro bêbado pensou com os seus botões: onde é que soldado é “autoridade”? Vá me respondendo Zé Pita onde você arranjou tanta galinha para fazer a festa? E a “autoridade” já foi rebocando o pobre Zé pro meio da rua. E Zé com um olho em cima e outro embaixo, sem conseguir ficar em pé direito, pelejava para responder e não conseguia dizer uma palavra. Você vai se explicar agora mesmo ao Coronel Lordão lá na delegacia. A “autoridade” debaixo de vaia sapecou Zé Pita dentro de uma rural velha e ao chegar à delegacia, já tarde da noite, foi recebido pelo delegado, que determinou: guarde esse pudim de cachaça aí no xadrez que amanhã ele vai dar conta das galinhas e vocês que acompanharam este pinguço vão pra casa se não vão ficar trancados com ele. E os amigos voltaram para comer o resto da galinhada e beber outros litros de cachaça. E a festa acabou de manhã, mesmo sem Zé, com Carmina bêbada e chorando com saudade de Pita.

Na manhã seguinte, bem cedinho, meu pai que morava vizinho à delegacia, já estava pedindo ao Coronel Lordão para soltar Zé Pita, pois tinha uma carrada de farinha de trigo para descarregar e que o motorista que era de Uiraúna queria passar o resto do domingo com a família.

Zé Bachinho teve que comprar outras galinhas para o casamento da filha e toda noite colocava-as para dormir dentro de casa porque Zé Pita, que ficara magoado com a prisão, ameaçava: ele tenha cuidado porque desta vez quem vai catá-las sou eu. Zé Pita, ao lado de tantos outros chapeados de nossa cidade, foi uma lenda, um herói anônimo que além deste tem outros interessantes causos para se contar.

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