O subversivo

VALIOMAR ROLIM

Cantar músicas de protesto e andar com livros da chamada literatura de protesto causava admiração da maioria. Não precisava ser forte, bonito ou elegante. Bastava usar calças jeans, camisetas de malha ordinária (de preferência com a inscrição: “Yankees go home”) e sandálias de dedo, seria respeitado pela turma e namoraria as meninas mais cobiçadas.

A cidade já se acostumara com ele, sempre com um livro debaixo do braço e citando passagens inteiras de textos que nunca leu; repetia o que ouviu nos intermináveis e infrutíferos papos das madrugadas nos bares da cidade grande onde foi garçom. Isso foi o suficiente para que firmasse a fama de intelectual, de base cultural adquirida no ouvido e por osmose, no contato do livro com o sovaco.

Tentara sem êxito na capital sair da mesmice de rapaz pobre do interior, agora driblava a falta de oportunidades e parecia que a vida iria lhe sorrir. Fazia sucesso e tinha público cativo com o tipo exótico que assumira. A barba e cabelos crescidos e a conversa recheada por chavões deram-lhe o status de intelectual visionário e avançado para os jovens e subversivo seboso para os pais, tudo dentro dos anseios de contestação de uns e dos sentimentos de ojeriza de outros.

Com os idos de 68 veio a caça às bruxas. Prisões, desaparecimentos e relatos de tortura e mortes eram ouvidos por todo o Brasil. A pose de intelectual de esquerda e ativista político deixou de ser um charme e, ao invés de conferir prestígio, agora dava cadeia. Para não ser um pedaço de Brasil diferente Cajazeiras teve seus perseguidos e, um dos primeiros presos, foi o nosso infausto e postiço herói.

Peixe da arraia miúda, foi esquecido por algum tempo. Não era ouvido e via outros serem encaminhados para tal sem sua vez chegar. Pedia a Deus para finalmente lhe chamassem e já estava passado de tanto medo. Ouvia gritos, gemidos e até urros dos prisioneiros interrogados e também dos federais que, para assustar, fingiam sessões de tortura.

Os policiais, por brincadeira, o faziam discursar, recitar poesias esquerdistas e cantar a internacional socialista e nada de interrogatório; e o nosso reformador ansiava pela sua vez. Queria ser torturado, espancado, humilhado, tudo, mas ficar livre daquela horrível expectativa.

Enfim acabou o suspense. Chamado para o interrogatório e instalado num aparelho de tração onde esticavam seu corpo com uma manivela, com uma pergunta a cada giro, agüentou pouco. Após algumas esticadas, convenceu os algozes de sua inocência quando disse:

– Que comunista que nada, eu sou é um iégua!

VALIOMAR ROLIM, MÉDICO E EMPRESÁRIO

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