O chevette, o cambista e o urubu

DIRCEU GALVÃO

Esteve sempre antenado com as coisas de sua terra e dela e seu povo herdou o espírito buliçoso e gaiato. A sua gaiatice não se traduziu em grandes estórias suas, de participação especial, de protagonista, mas poucos souberam divulgar com a sua mestria as descrições do espírito cajazeirense, naqueles tons de alegria e saudade, fincados na existência concreta dos personagens.

Nos seus últimos anos de vida, Valiomar explorou, intensamente, o seu retorno espiritual e intelectual às coisas de Cajazeiras.

Por isto, passou a escrever em jornais as suas colunas dos nossos personagens da boa terra.

Para mim, ler o seu texto seguro, fácil, bem escrito e fiel à estória, era um prazer de grande escala. Via-me nas esquinas e calçadas cajazeirenses, bebendo a realidade de minha terra e de sua gente. Relembrava-me a sua imagem de boa pessoa risonha, de riso largo e generoso, dramatizando um fato, um personagem e colhendo, nos seus interlocutores, a alegria decorrente de uma grande narrativa jocosa.

Fomos de gerações distintas, mas cheguei a conviver com ele nos seus tempos de AUC (Associação Universitária de Cajazeiras). Ele me deu atenção, confiança e respeito. Foi assim no nosso tempo de mais juventude e se reiterou no nosso tempo de menos juventude.

Lembro-me de sua época de presidente da AUC. Semana Universitária das boas. Muitas atividades sócio-esportivas.

Numa delas, um churrasco na fazenda de finado Arcanjo. Valiomar estava dividido entre o churrasco e uma corrida de motocross. Tinha que cuidar da organização dos dois eventos.

Quando ele chegou no churrasco, a festa já corria solta. Tinha música, cerveja e… churrasco. E gente muita! Valiomar viu que tudo estava caminhando bem e resolveu voltar para Cajazeiras e vistoriar a tal corrida de motocross. Me chamou para voltar com ele e dar apoio ao outro evento.  Quando íamos em direção ao seu carro, um grande personagem cajazeirense, o nosso Nêgo Rubens, mais conhecido como o irmão de Nenen Labirinto (outro presepeiro de Cajazeiras) pediu uma carona e entrou conosco no automóvel.

Caímos na estrada. De terra e estreita. E Valiomar inventou de dirigir ligeiro, muito ligeiro – estava atrasado.

Nêgo Rubens – chamamos <b>Nêgo Rúbi – morria de medo de carro veloz!

Fomos, então, Valiomar na direção, eu de carona, na frente, e Nêgo Rúbi no banco traseiro, na parte central.

Valiomar tinha um Chevette novo e corredor. E deu vontade de fumar, mas não tinha o fósforo. Por isto, ele pegou o cigarro e virou-se para o banco traseiro:

– Tem fósforo, aí, Nêgo Rúbi?

Nêgo Rúbi tinha o fósforo, mas estava com dificuldades de encontrá-lo, já que o carro em alta velocidade balançava demais. Só respondeu a Valiomar dizendo:

– Tenho, mas olhe pra frente que eu dou!

E tome velocidade! Nêgo Rúbi demorou a entregar o fósforo e Valiomar fez aquele movimento de se virar pra trás umas três vezes!

– Me dá o fósforo, aí, Nêgo Rúbi!

Como Nêgo Rúbi toda vez só dizia “olhe pra frente, que eu dou”, Valiomar perguntou: “oxênte, Rúbi, tá com medo?”

Nêgo Rúbi faz um esforço maior e coloca o corpo entre os dois bancos dianteiros do carro e começa a apontar pra cima, pro céu, onde voavam vários urubus. E então diz:

– Num sou eu, não, Valiomar. São eles! Um dono de jogo do bicho resolveu colocar eles no jogo e quebrou 17 vezes!

Eu e Valiomar caímos na risada! Nêgo Rúbi é temeroso ao azar que o urubu provoca!

DIRCEU GALVÃO É ADVOGADO, PUBLISHER DO BLOG SETE CANDEEIROS

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