Íracles Pires: a mestra de todos nós

CHICO CARDOSO

Faço uso nesse instante, da mesma linguagem que Meira Pires disse com Valdemar de Oliveira: “morreu Iracles Pires. Com ela, sem o menor exagero, morreu também o que tinha de melhor no teatro regional.”

A ela, o Teatro de Amadores de Sousa deve inestimáveis serviços. Foi a condutora incontestável, do estímulo para o crescimento desse grupo teatral.

Dela partiu o extraordinário exemplo para todos aqueles que, na região, sempre procuraram fazer da arte de representar o ponto de referência mais alto, das melhores e mais sadias manifestações do pensamento.

Mulher íntegra, professora emérita de gerações, poetiza de fina sensibilidade, teatróloga espirituosa, diretora de teatro respeitada, escritora primorosa e de inconfundível estilo, jornalista e radialista de credibilidade, e também atriz que encantava os palcos.

“Ica Pires”, como era conhecida, sempre se destacou em todos os campos de sua incessante, proveitosa e lúcida atividade. Jamais temeu as investidas dos novos profetas. Enfrentou-os sempre e com invejável coragem. Nos seus artigos polêmicos, sustentou fortes argumentações, na defesa dos princípios, dos quais nunca abriu mão. Suas convicções sempre foram inabaláveis. Nada deixava sem pronta e contundente resposta. Também não alterava sua costumeira postura britânica, com a qual, recebia aplausos de todas as camadas sociais. Vivia em paz com a consciência e, isto lhe bastava para prosseguir servindo as causas que lhe pareciam merecedoras do seu apoio e, da contribuição da sábia inteligência que DEUS lhe deu.

Iracles Pires visitou Sousa, pela última vez, por ocasião da Festa dos Destaques – 1978, promovida pelo Teatro de Amadores de Sousa. Veio em companhia de Zeilto Trajano, velho e dedicado companheiro.

No dia de ontem, quando entrei numa sala de aula do Colégio Estadual André Gadelha, recebi um chamado da professora Fátima Pinto de Sá Pires, diretora do estabelecimento, que pretendia falar comigo, na diretoria. Ao me aproximar de Fátima ela me disse trêmula: “Cardoso, tenho uma notícia triste para lhe dar: Dona Iracles morreu”. A partir desse instante, não sei como fiquei, nem onde estava e nem como devia prosseguir. Voltei para a sala de aula, com os olhos cheios de lágrimas, e a proporção que ia fazendo a chamada dos alunos, as lágrimas corriam pelo rosto e a dor aumentava. Tinha uma certeza comigo: acabava de perder a grande mestra, amiga e companheira de arte.

Estava nesse dilema, quando entrou na sala de aula a professora Dalvani Guerra Gadelha que, se dirigindo aos alunos, disse que tinha falecido uma grande amiga minha, irmã na arte, e por isso, eu não tinha condições de proferir a aula. Os alunos se retiraram da classe e eu fui ficando sozinho. Chorei e não me arrependi, porque chorei pelo desaparecimento da minha grande professora de teatro.  Fui amigo pessoal de Ica durante oito anos. Dela guardo, com especial carinho, uma infinidade de palavras, de estímulos, e numerosas reportagens, que fez a respeito do Teatro de Amadores de Sousa. Nossa amizade sempre foi muito sólida e leal.

Devo-lhe o lançamento do meu nome e do “TAS”, no cenário artístico paraibano. Nada realizei, no campo cultural, que não contasse, de imediato, com a sua colaboração e apoio incondicionais. Participou de todos os meus empreendimentos artísticos, louvando-os e estimulando-os pela imprensa de Cajazeiras, foi incentivadora da criação do Teatro de Amadores de Sousa, prestigiando-o largamente.

Lembro-me, ainda, de quando encontrei Dona Ica, pela primeira vez, numa noite de setembro de 1971, no auditório do Centro de Treinamento de Professores de Sousa, quando o Teatro de Amadores de Sousa levava ao palco, a peça “O Segredo da Confissão”.

Nunca nos atritamos e pensávamos do mesmo modo, sob os mais variados aspectos. Não há, portanto, como esquecê-la, ligada que está a minha vida nas artes cênicas. E não a esquecerei. Ela estará sempre presente na minha lembrança, e com lugar definitivo, no cotidiano de minha saudade.

Iracles ficará para sempre na lembrança de todos os membros que passaram pelo aprendizado do Teatro de Amadores de Sousa, e daqueles que amam a arte e a cultura na região. Nem as vigorosas forças do mal, que não perdoam nada, terão meios para ofuscar a perenidade do seu nome, gravado que está nas realizações concretizadas em favor do bem comunitário a que serviu, com força integral e carinho.

Se é verdade que a obra realmente feita tem o poder de estender a vida além da morte, Iracles Pires está viva e não morrerá nunca. Entrou de licença, apenas uma longa licença, para poder melhor observar, com aquela imutável postura britânica, de que já falei, tudo o que ergueu de belo e de útil pela sua terra, e região. Verificará, então, com orgulho, que valeu a pena o esforço oferecido na construção do teatro regional, do qual é a mestra de todos nós, e ficará desfrutando essa licença, definitivamente, na eternidade.

CHICO CARDOSO É JORNALISTA, RADIALISTA E TEATRÓLOGO FUNDADOR DO TAS

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